terça-feira, 18 de maio de 2010

Onde Estão os Portos II

No 18 de Maio, Dia Nacional de Luta Antimanicomial

Onde estão meus portos? Viverei nesse eterno passar por margens de Susana limpando lágrimas nas mangas vetustas da camisa de aninhar, num gesto atávico repetido e herdado da minha e da mãe dela. Onde a mansidão dos beirais espargindo a chuva que enviei só pros olhos vespertinos de Susana? Desde onde os ventos me convocaram à varrição das ruas é que me desencontro de colos e janelas abertas para as estrelas. Desde pequeno tive clarabóias. Disso veio o meu domínio da geometria austral, da intimidade das constelações. Eles não entenderam esse meu novo dom de profetizar os movimentos dos brilhos mortos, e quiseram me amurar com químicas e faixas brancas. Mal sabiam que fui feito com calibres de pássaros e nuvens. Com bitola de tempestades amiúde. Mal sabiam de meus enlaçamentos com a voz que nomeou tudo. Mal sabiam da mensagem que se enrodilhara nos labirintos tensos do meu ouvido desde que Susana me deixou. Não sabiam do alistamento e nem da missão. Não obstante o esgar de todos, salvarei cada um ao revelar o avesso oblíquo de suas rotinas. Teremos todos as piores guerras, as íntimas. Mas gastarão apenas duas estações de chuva. Cessarão quando o musgo vencer a última lança da última cerca. Quando a última porta se abrir, o rangido das dobradiças e o baque do ferrolho aberto forjarão o bramido de homens livres, e de mulheres livres também, que os amarão sem distâncias, desculpas ou favores. WDC

2 comentários:

Anônimo disse...

Data emblemática, que sempre, sempre, merece uma homenagem, passem-se os anos que forem.
Ainda hoje olhei para o Zé, aquele que ninguém mais vê. Ele está sempre ali, mas pouca, pouquissima gente o vê. E toda essa luta é para que eles (nós) não fiquemos assim, invisíveis e esquecidos..

José Mattos disse...

A minha loucura cabe num potinho de geléia usado, assim como cabe na imensidão dos portos espaciais que jamais verei.

Minha loucura pende para o lado de dentro e desde lá agita os mares, pois aprendiz de desastres naturais.

Minha loucura quer o cuidado daqueles dedos incrivelmente macios e disponíveis, feito as patas de uma aranha que me enrredara para sempre.

Tão grande e tão miúdo. Minha loucura é bem mais livre que minha sanidade.

Ainda bem.

J.Mattos