segunda-feira, 31 de maio de 2010

Cartas a ninguém (31.05.2010 – 1:28 a.m.)

Querida,

Passaram por mim uns meninos correndo, procurando onde se esconder da polícia. Eles riam incansavelmente daquela procura. Uma lei que não se ocupa do que é indevido, apenas do que passa correndo dando risadas por se estar vivo. A noite era bronze na ameaça de chuva que devora toda a calma, pois não cede nunca e nos deixa com a impressão que tudo ao redor vai acabar em breve.

Podes perguntar o que eu fazia tão tarde na rua. Eu caminhava. Caminhava sem saber de caminho algum. Deixava a cidade passar por mim e não o contrário. Sendo assim, posso dizer que foi ela quem passeou por minhas pegadas. Fez e desfez meus territórios. O cheiro peculiar daquela noite lembrou muitíssimo o teu cheiro naquela festa que fomos. A cidade parecia querer que eu chegasse até ti.

Uma janela olhou triste para mim. Uma casa muito usada. Acusada de ser demasiado antiga, vai tombar. Encosto em seu muro e acendo um cigarro. Ao me despedir posso sentir a vida dos cacos de telha grunhindo surdamente e a espessura das paredes deixando claro que haverá resistência às marretadas. Meu peito dói um pouco. Gostaria desta mesma força de resistir da alvenaria antiga. Desisto de pensar nisso e volto a caminhar.

Quero te contar dos meus passos noturnos sempre. Quero que saibas que entre todas as intenções e caminhos residem as melhores memórias. Que o manto da noite é de fato o melhor lugar para nos encontrarmos. Eu decidindo em quais esquinas deixarei trocados e tu, em quais momentos assoprarás as canções que chamamos de nossas.

Minha adorada, no mais fundo ritmo deste velho coração que constantemente responde aos teus chamados, haverá sempre de ter um pulso, um feixe de eletricidade preparado para nosso encontro. Quem sabe uma noite dessas, faça-se nosso o melhor trajeto e calhemos de nos apresentar ao destino na mesma encruzilhada. E como sei que calculas as tuas distâncias com mais segurança que eu, não farei objeção em seguir o teu caminho.

Sinceramente,

J.Mattos

3 comentários:

Paula Menezes disse...

Amigo que lindo escrito....literalmente Vinisciano...que os ceus o abençoe nessa tua busca.... beijocas

Anônimo disse...

Lindo escrito, sedutor... quase como uma biografia noturna de coisas que vão acontecendo.

Maravilhoso.

Lua

Anônimo disse...

Essas cartas são mesmo muito lindas..

M.