terça-feira, 4 de maio de 2010

As tuas propriedades

“Todo o fantasma, toda a criatura de arte,
para existir, deve ter o seu drama”

Luigi Pirandello

Chega a noite e finalmente eu chego em mim. Vou ver o saldo do dia e fico espantado – pouca coisa mudou. No cerne de tudo quanto vejo, acontece você e esta demora infindável da distância. São onze da noite. Os ponteiros julgam meus atos muito mais dos que aqueles que feri ou matei. Já escuto os anjos anunciando que me esperam do outro lado para zelar pelo que não posso sozinho. E rezam e choram com as descobertas do que me vai por dentro. Entre estes dois mundos descubro coisas sobre você e mais uma vez me encanto. Não há nada em redor, apenas o cheiro da sua pele. E eu ainda duvido poder existir coisa melhor, mais densa e cheia de memórias que isso. Esse cheiro seu me contendo. Chamando à vida os meus sorrisos. Passou o tempo e como eu me vejo deste lado do sono é como se nunca você tivesse ido. Estou tão repleto. Tão conciso. Cheio de anuências e gomos e coisas assim, complementos de todo o resto. Posso ser o que quiser que eu seja. Mas peça. Peça para que eu não morra enquanto não chega amanhã, pois nesse intervalo da vida que é o sono, algumas vezes tenho vontade de não voltar. Como quando esperamos o sino do tempo chamar de volta às ruas da infância, ao colo terno e aconchegante de quem mais nos amou. A noite aumenta tudo. Sobretudo esse meu medo de não ser nunca de ninguém, pois tão incompletamente meu que, desde o primeiro dia, acho que sou um fantasma. Faz silêncio, mas eu canto. Faz escuro, mas eu vejo – como os lobos, como os cordeiros que fogem da caçada. Como cantam esses colibris e coleiros que me visitam durante tua distância. Vêm anunciar que você está perto? E justo nessa hora, cuja minha consistência já não é a que os homens conhecem, sou feliz por mais um ou dois milênios. Seu cheiro tem cores, tem a virtude de me preencher por inteiro e sempre neste milisegundo, desnudo de todas as nuances das palavras posso lhe dizer entre atos e batimentos cardíacos o quanto sou. O quanto você faz com eu me reconheça. Guardar essa memória repleta de doce e raízes profundas é o que de melhor eu tenho para te dar. E com esse ardor que acontece sem que eu não saiba como controlar ou manter, celebro sua existência em mim. No mais profundo ânimo de meu esquecimento diurno, enquanto todo mundo dorme e recorda existo porque você acontece em mim. J.M.N.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que coisa maravilhosa, muito lindo mesmo.