sábado, 1 de maio de 2010

Onde Estão os Portos I

Eu, lambido pela língua do tempo, incontinente e trêmulo. Eu, com as costas lanhadas pelos espinhos dos minutos que não vieram. Eu, a soma inconteste de todos os temores. Eu, saudoso da primeira eucaristia e de conhecer todos que freqüentavam aquela igrejinha, inclusive o pároco e alguns dos seus pecados. Saudoso desse tempo e da segurança de saber a origem dos seixos que tilintavam sob meus pés. Não sabia o que era serotonina, nem necessitava de uma complexa combinação de fugas para manter-me desacordado e sofrendo. Não havia essa comoção assaltando-me sem aviso, esse medo de desintegrar-me, essa certeza que a qualquer hora deixarei de existir, essa vigília desesperada se estendendo da noite ao amanhecer. Sei da morte e do que nela há de inexorável, mas não precisava ela mostrar-se tão próxima e bradando suas vitórias. Não há necessidade desse exaspero sem remédio que não acha consolo nem em colo de mulher, nem nos interiores dos muros. Preciso é da palavra dita. De renomear tudo ao redor. De sentir aquele olhar terno e negro a me definir e pacificar.WDC

3 comentários:

Anônimo disse...

Uma lágrima apenas e nesta modesta tranquilidade que me vence agora, isso já é um oceano inteiro. Mas quando vejo que não preciso ir aos extremos da dor para estares comigo. Quando sinto em nossas conversas o pano de fundo para uma existência plena e conclusa de amigos e razão, ganho forças.

Mesmo com apenas uma lágrima espremida, queria que soubesses o quanto isso me cabe e, por isso, o quanto lhe sou grato por tudo.

J.Mattos

Wagner Dias Caldeira disse...

O meu desatino acolhe o teu, e apanha a tua lágrima que, de súbito, tornou-se jóia de beleza represada.O meu desatino faz peteca e estrela, dessa tua lágrima solitária. Não a deixa nem por picica da velha xica. Porque ela precisa de mim pra brotar, e eu preciso dela pra me espiar. wdc

Renato Torres disse...

wagner,

a maravilha da palavra é seu poder de materialização nesse interstício entre o que somos e o que sabemos. dizer-se, assim, torna-se também ser além do que transige, aportando em cais outros, que também podem evanescer na brisa do olhar de quem lê. instigante, urgente, sincero, eis o que em teu texto me ganha a admiração.

abraços,

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