quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Para ler no fim de dezembro

Inspirado na música Famous Blue Raincoat, Leonard Cohen
E na vida, como um todo.

O relógio marca uma hora da manhã. Resolvi te escrever uma carta e publicá-la. Quase fins de Dezembro. Um ano acumulado de argumentos e descobertas. Antecipado em desastres e alguns tipos de registro que preferia nunca ter feito. Queria te perguntar se aceitas ser minha mulher e estrear as qualidades que guardei de mim mesmo durante anos. Trago a rosa que pediste, as promessas que ensejamos. Vejo que não te exaltas e eu ainda tenho estas coisas avariadas em minhas gavetas. Como brinquedos destruídos pela curiosidade infantil e inconseqüente. O mais que gostaria de dizer é que tinha vontade de te matar. Que te chamava de minha na mesma intensidade que me entreguei e fui teu. Mas fizeste meus inimigos virem à tona e revelaste o que podia ter de pior em minhas entranhas. Finalmente os perversos se mostraram. E estavam tão perto de mim que foi impressionante eu nunca os ter visto. Acho que posso te perdoar. Disseste tantas coisas sem futuro e eu tantas mentiras sobre meus atos que nos tornamos inviáveis. Incríveis mistérios. Acrobatas das razões de seguir em frente, de construir os antigos refúgios em braços amigos, os corpos mutáveis. Sinto que vives por nada agora. E lembro repetidas vezes de como nossa história era como uma espécie de entalhe em pedra. Deveria ser descoberta por arqueólogos eras adiante. A última vez que te vi parecias tão inteira e composta que me senti violentado e tive vontade de entrar lá e ocupar tua boca como fazia. Ao te ver distante e calada, senti um frio miúdo que se gera no medo do esquecimento e te mandei saudações e pedi em silêncio que reconsiderasses teus passos. O que posso dizer agora que o frio da solidão me encontra dormindo? Escrevo por que ainda tenho contas a ajustar, mais comigo do que contigo. Pode ser por nossa história, pode ser por tuas lendas. Escrevo para agradecer a lembrança de que eu ainda estava vivo, de que eu ainda era capaz de amar como se fosse o último dia de minha existência. E se isso não bastar, tenho ainda azaléias e poemas, prontos para dissolver os prantos, infinitos, feito nossa entrega de ontem.

Sinceramente,

J.Mattos

 

Para ler escutando...

5 comentários:

Wagner Dias Caldeira disse...

O que eu faço com essa lágrima matutina que um amigo me arranca assim de manhã cedo? De longe escutei a longa travessia de mais esse Bojador, com suas noites de tormentas e recuos, com suas tardes de calmaria e cervejas no convés. Olho pra espuma que marcou eternamente o teu caminho nessas águas, e concluo, sem hesitação, que essa lágrima é de felicidade.

Parabéns, irmãozinho.

José Mattos disse...

Bem sabes que este é um reconhecimento mútuo.
E quanto as lágrimas, bem...
Bebe-as... as de felicidade sabem a vinho.

Até mais irmão,

J.Mattos

SARA disse...

Lágrimas correndo, peito apertado, tudo isso que nos inunda.
Gostei muito do texto Netinho. Como sempre, muito denso (como consegues?)
Essa união sua com o Wagner ainda vai render muita coisa..já escreveram algo juntos?
beijo aos dois!

José Mattos disse...

Fale Sarinha,

Estava sentindo sua falta por aqui. Saudade das histórias do Pebas e das boas risadas com a turma da Usina.

Volta mais.

Beijo,

J.Mattos

Anônimo disse...

Isso é realmente lindo. Palavras como essas fascinal, atraem, causam tormento e nos obrigam a voltar cada dia mais, cada leitura mais comprometida.

lindo, lindo, lindo