terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Bem amado

O que tenho de ti dissolve meus lamentos, desdobra meus segredos, inventa as minhas eras. Recompõem meus genes à medida que desaprova minhas prudências. O que sobrou de ti em meu corpo nutre o apreço da primavera por minhas janelas e preguiça, acalanta minhas metades deixadas em prateleiras, invade os desertos mais distantes e sobrevive. O que me negaste com fala tão dura reveste o abraço do olhar, a descoberta daqueles caminhos, inventa abrigos onde eu não posso ficar. O que carregas de mim não é sobra, não é vento, pérola talvez em redoma de vidro. E te engoli afoito e sincero deixando de lado ordens médicas e outros avisos. O que depositaste em mim nenhum exame acusa, nenhuma entranha delata, nenhum abraço ou beijo ou furor executa. Estás em minha penteadeira, na solução com que limpo as narinas, no remédio para as ânsias e medos, em minha carteira de motorista. E vens e vais como dona, como a figura que os pintores todos buscam. Tua existência conflitou o menino ruído, o frasco de lágrimas e tormentos negados ou escondidos. Tua existência aparou meus cabelos, cuidou de feridas e abriu outras mais. Enquanto morriam os peixes no aquário imaginado, em nossa sala ampla e com lugares para a entrega, enquanto o verde da grama se nos ensejava esperanças mornas e bandidas, estive inteiro, encravado nesta vida, à deriva, mas tão tranqüilo. O que deixaste em mim veio e comeu minhas linhas e me deixou estes excertos, nunca mais amedrontados ou senis. O que deixaste neste corpo que se desgoverna agora bebeu a água de meus olhos, desvencilhou-me das memórias mais brutais e sozinhas, abriu espaço para outras formas de ver o mundo. É como o oposto de minha fúria. É como um fogo sem controle. É um tempo adiantado em sentidos, saudade e amores de manhã cedo. J.M.N

Um comentário:

Drica disse...

Meninos, parabéns pelas mais de 5.000 visitas. O talento de vocês merece ser reconhecido.

Bjs!