segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Uma vez apenas

Por que meu corpo não consegue ocupar toda a extensão dessa cama? Ela parece tão grande durante a chuva que chego a pensar que o espaço vazio nunca se acaba. O edredom há três semanas não forja enredos suficientes para amainar os meus medos. Talvez não seja desse calor que meu corpo tenha sede quando começa a tremer. Talvez se eu fizesse um café. Como meu avô fazia, forte apenas o suficiente para que o cheiro sirva de convite aos vizinhos mais próximos. Será que dessa vez quando meus dedos pousarem a xícara no pires e atravessarem a mesa encontrarão uma mão amiga que os enlace? Queria uma vez apenas, no caminho até a pia, pisar em um brinquedo que apite debaixo dos meus pés, e que o dono do brinquedo sorrisse da mesma forma que eu, quiçá tivesse os meus olhos e o cabelo de um homem que estivesse sentado na sala. E que este homem, por trás de sua placidez, estivesse inventando mais uma forma de me surpreender.

Ainda não aprendi de que natureza ácida são feitas essas bodas que hoje comemoro em silêncio com a solidão. Essas núpcias que não produziram no meu ventre as raízes do meu prolongamento neste mundo. Não me trouxe paz nem mansos amanheceres. Ainda espero aquele que batia palmas na porta e que, pela envergadura do meu abraço, descobria se eu estava alegre ou triste. Aquele que protegia meu sono com as frases de bravura de guerreiros ancestrais.

Uma vez apenas queria acordos com o tempo, que não fossem só o insistente eternizar-se ou desaparecer. Queria uma vez apenas repetir os mesmos rituais de entrega de meus avós e pais. Queria, como meus vizinhos, ter alguém que perguntasse como foi meu dia. Tenho certeza que, se me inscrevesse nessa tradição ao mesmo tempo lateral e vertical, seria feliz por pertencimento. Uma vez apenas queria aquele assomo de amor próprio de uma adolescência desejada e invejada por secundaristas. Queria esse carinho interior imenso, sem a necessidade de avistar uma outra margem, como esses rios da cidade onde moro. WDC

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