quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Sobre quedas e silêncios

Disse que lera nos livros serem as mulheres diabos disfarçados [...]; elas desgraçavam, arruinavam, sufocavam, escravizavam com feitiços, eram más e interesseiras, por elas se faziam as guerras [...]. Traíam e levavam a alma do homem ao inferno. Mas nada havia de tão doce quanto essa tirania.

(Ana Miranda – Boca do Inferno)

Uma mulher tem me tirado o sono. Não se trata de uma vizinha barulhenta. Antes fosse. Esta que não me deixa em paz é silenciosa e está a quilômetros. Ri quando deve falar o que importa, cala quando as palavras começam a vir aos borbotões. Me afaga às vezes, me abandona muito mais. Me faz cair a pior das quedas, aquela que não encontra o chão. Nessa sua marcha ébria, ela dá um passo pra frente e dois pra trás e avança senão sobre mim. Abre picadas no selvagem que ainda sou. Dia desses, vasculhando a minha urbanidade, ela achou aquele campinho de areia onde fui feliz depois de driblar o Colega, o Quebrado, o Abuti e fazer um gol memorável. A minha biografia vai sendo descascada e fixada em quadros de scrap e litanias solitárias. Assim ela vai me descobrindo, sem despir-se, sem despojar-se. Também sem descanso vou me cegando em uma devoção sem trégua. Há dias que não faço a barba ou corto as unhas, há tempos que não sou mais meu. WDC

Um comentário:

José Mattos disse...

Que bom que voltaste... e desta forma tão imensa.

J.Mattos