sábado, 5 de dezembro de 2009

I.

Escrevi esse texto em 1992 e o fui modificando ao longo dos anos.
Esperava poder incluí-lo num livro, dia qualquer. O livro está pronto.
Esperando a coragem para publicá-lo. O texto não entrou.
Senti vontade de dá-lo ao mundo. Diz muito de tanta coisa vivida
e se repete como uma estilística de existência, tantos anos depois.

Precisava como nunca do teu vulto, do teu beijo, tudo teu. Mas na hora certa não estavas. Nem como fala, nem como eco. Enfadado e um tanto negro chorei. Precisava como sempre de um cigarro, mas eu não fumo. Não importa, sinto náuseas e nem sequer estou vivo! Rascunho um dizer imoral e assim, dispenso minhas vestes e assinalo minha dor. Teu sorriso não me sai da boca. Rumino abobalhado teu riso de mundo, mudo feito um frade refletindo, cabeça baixa diante do altar. Num segundo impreciso me agride tua forma incomum, tua aparição, feito um clarão de bromélias amarelo-sol. E eu solando feito um piano triste numa noite em que não te tenho mais. Como se canta em francês a dor bilíngüe minha e tua? E, senão for bruma, o que mais condensa no espaço? Há uma gota de alarde nisso tudo. E quanto ao que condensa? Condeno ao esquecimento todo o cristal de choro que caiu de mim trajando uma fé tardia. Fé de menino encantado com o pecado. Ai de mim que te precisava o quanto antes, com urgência divina. Compulsivo te quis infame, fria, sigilosa – arcaica mentira da existência. Te quis e quero feito dança que não sei, mas tem por ai, cuja pureza é feita no arfar da espera. Espera que ainda tenho o que te contar. Espera que nessa hora cabe em mim Tordesilhas, pois sou muitos, divido à revelia, e nem sei a quem pertenço. Sei que sinto. Como ousas um silêncio de rima? Como aglutinas minhas células às tuas? Como envergonhas a lua com tua presença? É capricho. Deixa disso e vem desnuda, com carne e pele de dia, aturdia de silêncio e nervura. Venha a mim mesmo dura, festa incerta, arlequim. Venha em valsas vienenses atrás da última aurora. Seja cálida, indigesta, seja estúpida e faça raiva como trevas – absurda. Por mais que vás e fratures minha coluna, imobilizando meus movimentos, ansiarei mil dias por tua reticente alegria. Mais ainda, num pequeno ato de amor costurarei o que vestes, pois sei que quando voltares, te surpreenderei rasgada e com a boca fingida. E com ungüentos e choros, com quantos encantamentos, te recomporei da vertigem e resgatarei tua forma de gente. Se não, na feliz explosão do encontro, te chamarei simplesmente de meu amor. (Cantídio)

3 comentários:

Anônimo disse...

Lindo texto... Afinal a paixão já era intensa em 92.

Anônimo disse...

Quem é Cantídio?
pseudônimo? Era você escrevendo na ArteFacto em 94/95?

Se for, sou tua fã antiga.

Bruna.

José Mattos disse...

Sim, era como eu assinava no ArteFacto. Nunca esperei que alguém mais tocasse no assunto. Nossa, faz muito, muito tempo mesmo!

Que bom que me fizeste lembrar disso.

Valeu,

J.Mattos