quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A falta do filho

Para o Cauê,
que deve estar acordando com os sons do oceano nesse instante.

Ele se foi e com ele avos incontáveis da minha essência. De repente um espaço nulo, ostentando nada senão a distância. Um oco que engole tudo. Nos últimos dias um sentimento de completude e coragem, vindos certamente das coisas que havíamos de fazer juntos. Vencer a escola, certidões para a viagem, presentes de natal, roupas para arrumar nas gavetas de casa. Ligando tudo, esse sentimento cumulativo e anterior ao tempo, cuja textura demarcada na pele deixa-nos únicos, marca indelével da espécie. Ele me continua. Não a partir de onde eu parei, mas sim daquilo que a ele é possível entender e seguir. Vejo meus dedos em suas mãos, meus trejeitos em seu sorriso e minha solidão em sua escolha por paixões mais além de seu tempo. Sinto saudades e isso é imenso. Vontade de ouvi-lo perguntando sobre problemas de matemática, sobre a origem de nomes das bandas das quais gostamos. E reconheço nisso tudo o que não tive. Ao fazê-lo eu achava estar pondo alguém no mundo, talvez, pretensiosamente, dando um mundo a alguém. Quando ele me chama de pai, vejo que o mundo todo cabe nessas três letras. Foi ele, enfim, que me premiou com o melhor lugar dessa existência. J.M.N.

3 comentários:

Anônimo disse...

Belo texto. A paternidade e uma grande fonte para a escrita.

Bruno

sara disse...

nesse momento, estou perto de sentir essa saudade de uma filha que, após 14 anos e meio sempre junto a mim, sempre perto e sempre amorosa, também irá seguir a sua vida. eu? seguirei a minha também, mas deixando nela, com ela grande parte da pessoa que me tornei depois que ela entrou na minha vida. Terei que reconstruir uma outra forma de cotidiano agora que ela não estará mais aqui. Será um novo recomeço e não sabemos quem seremos daqui para frente.

Wagner Dias Caldeira disse...

Como ler o teu texto e não lembrar daquela está a todo tempo, com aquele olho que toma conta de tudo, me avisando que tenho que me amar mais, que aprender a jogar uno, que aprender a jogar. Vive avisando que ela é ela e eu sou eu marcando limites que devem ser respeitados se se quer o amor.

Como ler o teu texto e não me remeter à tarde em que, ela viajando com a mãe e eu sozinho, abri o guarda-roupa dela e quase morri com aquele cheiro rosa, aquele cheiro de lápis novo, com aquele cheiro de adivinhas tão inocentes quanto engraçados.

Como ler o teu texto e não lembrar de Sofia e seus caprichos de menina.