Sobre o magnífico Cardernos Íntimos, do Bob Menezes,
esperando que nos brinde com a publicação.
O acordo era chegar e desarrumar as malas. Mas ai, as coisas ao redor soaram mais fáceis. As roupas não valem de nada – fronteiras inúteis. Taças de champanhe e acolhimento. Cigarros à parte. Bilhetinhos carregados de dulcíssimas verdades. Uma fome que já vinha de antes. Depois os planos para o rapto das tais estrelas e a sede de encontrar as controvérsias nos olhos de quem passasse perto de nós. A única questão permitida: quem sabe? Como uma pergunta silenciosa que intimida e acoberta a insanidade de querer demais. E mesmo não sendo nossa casa faremos daqui um casulo de coisas e movimentos próprios. Forja de transformação intensa. Bateremos as asas feito crisálidas. Bem no cerne da agonia dos outros hóspedes, que para sempre perguntarão o que fizemos entre quatro paredes. E nós falaremos de ventres, teimosia, miudeza masculina. Falaremos de astecas e outras civilizações, enredos de ataque à carne, os lindos olhos do recepcionista do hotel. De repente o segredo do paladar que pedia, mas, perdido na euforia das luzes da cidade, queimou-se na intimidade do encontro de tantos anos. Beberemos gelo. Saberemos imediatamente que chegamos às fronteiras emancipáveis da entrega. Nossas mãos pausadas em sincronia. Saltaremos feito lobas, cortesãs sem agonia ou segredo. Os ventres expostos como relva lisinha vista de longe. Uma da outra, com milhagem de sobra para duas voltas na Terra. Nada de entraves, apenas liberdade. Quem sabe não foi esse o plano maior? Quem sabe não era disso que falavam nossas mães quando avisavam que íamos nos perder nesses devaneios. E desde sempre desobedecemos. Desde sempre sabíamos que não seria assim tão fácil pular fora. O primeiro olhar foi do motorista. Ele parecia esperar recato e conformidade, mas o que entregamos de volta foi a mais pura honestidade. Saímos sorrindo do carro. Entornadas da agonia que causamos. Nos olhares a escuta, nas mãos o cheiro doce, nos tons alentadores do sistema de som do quarto, o descompasso entre o jazz e nossas valentias. Ficaremos suspensas no ar. Venceremos escudos. E na destreza de nossa dança inconsciente, haveremos de nos revelar. Ao sabor de morangos e lingeries de seda. Sob as plumas encarceradas na mansidão do toque. J.M.N.
Um comentário:
Putz, que texto maravilhoso.
Lilian.
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