terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Trágica beleza

Todas as vezes que você me olhava não me via. Eu deserto, resmungando por dentro e devotando total amor ao suportar o peso do que trazias escondido no peito. Saias de casa sempre de noite e ao passar pela janela da frente já eras uma estranha. Tua imagem tão distante. Levei muito tempo para compreender que na verdade eras aquela que andava lá longe, no jardim escuro, rumo ignorado.

O longo inverno que me abatia quando não estavas. Uma engrenagem que me apanhava onde quer que eu fosse. A moça bonita que me doía. Que fazia melhor que tudo me mastigar. Não me servia. Não me exaltava. Reconfortada em tirar todos os mapas, toda história, todo passado. Um borrão perpétuo que exige a extinção dos outros para se sentir viva. Não podia mais. Nunca pude.

De tal ordem que ficou imperativo que eu voasse. Que me tornasse um pássaro. Selvagem em asas e caçador à luz do dia ou da noite. Ela não via. E tão rápido como passou a tomar conta de tudo, perdeu-se em seus próprios domínios. Incompetente para a dádiva, incompleta para ter tudo. Um conjunto perfeito de pernas, costas e tatuagem. O fracasso estampado no braço. Vencedora de nada. Perpétua falhada.

E antes que o domínio acontecesse demasiado, escapuli. Trago uma foto manchada. A lembrança do agasalho da noite. Notas de um tempo forjado. Trago a seqüela da beleza e da tragédia como um poema, nascido daquilo que tratado como belo, mas que apenas recende bem ao mundo depois da dor e da certeza da distância. J.M.N.

Para ler escutando…

2 comentários:

caueteamo disse...

Adorei! Reconfortante poder ler um sentimento quando se tem a certeza absoluta de somente poder senti-lo.

Anônimo disse...

Não entendi o comentário acima. Para mim o texto é muito lindo e só.

Bjs,

Camila