Em minha memória
“…assim éramos nós obscuramente dois,
nenhum de nós sabendo bem se o
outro não era ele-próprio, se o incerto outro viveria…”
Fernando Pessoa (Na Floresta do Alheamento)
Estou deitado tempo demais, um fantasma ao meu lado. Seus olhos me fitam e eu não consigo desviar o olhar. Quero saber o que ele me traz. Que tipo de assunto pode tratar seu olhar de antigamente, isso me faz perder a cabeça. Eu espero que possa dizer as tais palavras novamente um dia. Talvez seja isso, aquele fantasma quer me alertar para algo sobre amor e eternidade. Quem sabe impossibilidade e alento, letras e um bom vinho tinto. Meu sangue procura vasos esquecidos em meus órgãos. A única coisa que sinto além do frio de dezembro é a tua ausência. Meu peso escasso aperta a cama em sinal de existência. Apenas assim me identifico. O fantasma bem ao lado continua me olhando. Ele parece ter o rosto de meu pior inimigo e está chorando agora. Sua lágrima molha a cama. Sinto-a com a ponta dos dedos. Uma lágrima de além dessa vida, quem sabe. Trago à boca. Seu sabor me esclarece. Meu olhar agora é o olhar destinado a mim pela entidade ao meu lado. Meu inimigo sou eu. Esse fantasma com lágrimas doces que me estende o braço é tudo aquilo que esqueci quando te foste. Esse cheiro de agora não sei se é terra ou madeira. Meus músculos acordam. Tenho entranhas novamente. Mas antes de levantar um último beijo na boca etérea de meu fantasma. Minha tristeza evapora e como nascido há pouco me restauro no mundo das presenças, tudo me faz falta. Me ponho a andar. Visto a roupa mais bem passada que tenho. Saio de casa. Da calçada diante da porta olho a janela. Não é mais um fantasma que vejo, mas um passado inteiro me acenando. Aquela lágrima doce nascendo novamente em meu beijo. Foi quando percebi que havia uma música tocando em algum lugar e que de alguma forma, me dizia o chumbo do céu chuvoso, tudo não passa de vento e vontade, um dia após o outro. Nenhum fantasma me espera e a história me anda gritando esperanças finalmente. J.M.N.
2 comentários:
Lindo, lindo...
Um libelo de esperança.
Feliz 2011.
Dora
Venho aqui sempre para encontrar o fantasma que povoa minha trilha, que marcou para sempre sua falta em mim. Aos anos passados em vão. Domesticada pelos desejos alheios. Fantasma de mim mesma.
Postar um comentário