domingo, 17 de outubro de 2010

Cartas a ninguém (16.10.2010 – 07:41 a.m.)

Montpellier, 08.12.2011

Querida,

Menti.

E acreditei que o fazia por ti. Por mim. Fazia por alguém, afinal. Mas fiz por ser esta a condição nossa de cada dia. Menti, pois podia mentir. Só isso. Simples e duro como assim escrevo. Mais que toda a confissão, está plantada nestas linhas de agora, a única razão para eu ter feito o que fiz. Tinha todo direito de ir e vir. De fazer-me. De deslocar minha afeição para uma outra boca faminta. Para a dona do infeliz tesouro de mãos macias como o assoalho do paraíso.

Antes disso já estava em dívida com a verdade, uma vez que me tinha, porém não me exercia. Agora vejo uma tarde vazia com outros olhos e não espero o telefone tocar. Tudo tem um preço. Ser o que se é! Ato mais desumano que uma mutilação proposital durante a guerra. E preciso convencer meus pés que afinco e dor são bons quando estamos em paz por dentro.

Não sei como fazer diferente, meu amor. Não sei existir sem mim. E este ser que me reclama o tempo inteiro é tão maior que minhas preces, que já as deixei apenas em registros por onde passei. Na Lusitânia, deixei minha genealogia em silêncio. E voltei. Por sobre todos os avisos de ficar. Voltei para ser o que não era e já quase sabia. Menti que voltara. Não voltei. Mas aquilo – ou aquele – que deixei por lá, já não o quero.

Mas queria te dar mais um beijo. Mais uma noite inteira dentro de ti. Queria te ouvir dizendo que somos feitos um para o outro, na conjugação presente. Pendo mais para o lado do Mediterrâneo agora. Uma costa ensolarada para fazer pães bem frescos pela manhã. E ao deitar do sol, no fim da tarde, pensar no cheiro que teu corpo me deixava depois de estarmos. Pensar que meus atos todos foram dentro da minha poesia apenas, que não te causei dor.

Queria, pois, voltar a mentir. Sob um céu naturalíssimo de sonhos, aguardando voltares com o café.

Sinceramente,

J.Mattos

5 comentários:

Anônimo disse...

O blog continua maravilhoso. Literatura excelente.Espero que o Palavras não acabe, etejas onde estiveres não nos deixe.Precisamos de escritas como a tua.


Sucesso!


Hellem.

Isoldinha disse...

Belíssimo de fato.
By the way, vens para o Smashing?

Anônimo disse...

Vais embora??? Como assim???
Sem dizer nada???

Flávinha.

P.S. cartas a ninguém, é??? Tá bem. kkk

Anônimo disse...

sinto como se fosse para mim....

Anônimo disse...

e sentes certo