Faz muito tempo que ando nesses prados. Já sorri para pássaros e outros bichos, mas agora tenho os passos atados pelo calor e pela água que respiro em gotas tangíveis, coloridas ao sabor de tardes mutiladas. Nenhuma casa e pouca bagagem. Além da vida, é claro.
Ela sabe melhor do que ninguém o que é ser cruel. E se basta. Passou a vida a escrutinar minha presença em seu sonho encharcado de valsa, amargo e beijos sem destino. Heroína de si mesma, ela dormita atravessada em minha pálpebra. Ouvia nela a expressão mais triste da poesia e tinha a madrugada inflamada de tanto pensar ser dela.
Uma ou outra liberdade me concedia. Eu o rei da casa de nada. Monarca das contravenções vespertinas. Os seios das empregadas nos quartos proibidos. Ferro sabor na língua que descobria que a paixão sabe a ferrugem. Ela sempre esperou meu primeiro dia de homem feito. E foi a primeira que me despejou deste lugar.
Não sou mais meu. Quem dera fosse de algum passeio, ou lago, ou quem sabe pudesse ser de uma porção de gente que se despede da terra para nunca mais, assim teria o corpo de caminhada, de resistência à fome dos presságios. Estaria legitimado a procurar menos trânsito, menos barulho de cidade.
Eu pago o preço por tê-la violado. Por ter feito sua loucura solta, danando-a espreitar meus cadernos em busca de outros finais. Eu pago o preço por tê-la feito nascer no corpo, dentro de si, para sempre insuperável. A estrada que se destina a me consumir inteiro. Pago o preço por ter como pagar. Por estar convencido de que posso pagá-lo.
Ela está bem melhor agora. Cheia de graça, suficiência e saudade. Andando de mãos dadas e sentido que deixou algo para trás. Eu com o nada conversando, redobrado em sendas e invernos e postais. Tudo no lugar errado. Como a vida permite estrear. Como deve ser, no fim das contas. J.M.N.
Um comentário:
Lindo... denso... forte... Esses textos são o máximo.
Bjs,
Mel
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