quarta-feira, 5 de maio de 2010

Passeio noturno

Ontem deixei uma porção de sons gravada. Liguei como se fosse a mais secretas das coisas que faria antes de voltar para casa. A cidade estava diferente. As ruas me confundiram um pouco, talvez pela falta de lugares aonde ir. Iria o mais distante possível não fosse esta irregular sensação de tato que me provocam as mangueiras daqui. Este incrível verde em meus pulmões. Minhas lágrimas de barro e leito de rio. Assumi que as coisas estão onde devem estar. As paredes das casas dos conhecidos ainda são mistérios para mim. Parece que os conheço todos muito mais do que a mim mesmo. Eles estão escondidos lá dentro. Seus muros, meus telescópios. Queria ouvir uma voz. Aquela que me mantinha durante dias, exasperado. Queria uma voz de berço, com grades altas para eu não cair – ou fugir cedo demais dos meus anos calmos. As noites daqui não têm pássaros como nos contos que li anos atrás. Abri a janela do carro e bebi um pouco da chuva fina que caía. A noite escondida em mim escapou nesse gole. Eu deixei. Queria ouvir-lhe perguntar que era. A quem pertencia aquele silêncio do outro lado da linha. Gravei uns segundos de minha saudade. Música ao fundo. A letra dizia algo sobre uma inquietação. E então minha casa surgiu. Meu pequeno palácio. Em minha mitologia é o lugar mais seguro da Terra. Fui largando as coisas pelo caminho até o quarto. Enquanto me despia, ia deixando a luz da noite entrar e fazer minha cama. Janela aberta e os sons entrando com a naturalidade do concreto que me aflige. Sou menos meu hoje, pois queria que soubesses que sinto ainda mais do que no momento em que fugi. Finalmente estou convencido por dentro, feito o outono que não temos. A gente pode se trancar durante meses ou anos. O telefone jamais irá tocar. J.M.N.


Um comentário:

Anônimo disse...

Tens realmente a dádiva da escrita