sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Por tua fogueira

Aos meus grandes amigos M. e J., cuja resistência me é admirável.

É preciso assoprar as velas, os anos estão passando. Estão passando sobre nós feito um trem descarrilado, feito um jato à velocidade do som. No sopro a luz esvai e aquela flama de um pavio contado pode chegar a outros cômodos da casa.

Há que ter cuidado. Um cuidado redobrado nesta década infernal onde há mais gente boa indo embora do que em todas as épocas do mundo. Uma desesperança gritante em relação a tudo e todos. No fim do dia, haveremos de contar nos dedos de uma só mão os amigos.

Vale a pena perseguir a memória. E que essa memória transporte os melhores afins de felicidade e constância, que se perca entre as melhores festas da infância e sabores espantosos dos primeiros beijos de amor. Ao fechar da boca, o ar da gente é circundante, faz sentido que seja puro e raro como encontrar um islandês comprando frutas no mercado do bairro.

É devida essa culpa e essa vergonha de agora, sinal de que nem tudo morreu dentro da gente, indicativo de que ainda tememos um invisível que nos controla e redime, conforme mandam os nossos atos. Esses atos que vêm trinados e desastrosos, mas também coordenados e melódicos por obra e malícia do mesmo acaso, são nossa obra final. Nos servirão de epitáfio, queiramos ou não.

Por tua fogueira inchada e viva. Mais viva que as partes amáveis do teu espírito amigo e de homem simples. Por esse momento teu em que reconheço o que já tive e me teve mais que qualquer pesadelo terrível e vejo refletido em ti o rio caudaloso da culpa. Não oferto razão ou regras, tampouco suavidades ou sofismas.

Declaro iniciada a partilha da dor. Em todo o esplendor do desespero compartido, da contemplação conjunta e silenciosa de monges orientais. O sentimento que nos cabe é apenas o que podemos suportar. Não fosse assim, o mundo estaria vazio e não haveria ninguém para, sem saber da vida o mínimo, atirar em nós o medo monstruoso do que não entendem e evitam. E tão menos estariam erguidos aqueles que, dentro dos extremos e do impossível efêmero, escolheram dar seus passos sobre este planeta. J.M.N.

2 comentários:

João Melo disse...

É Neto, a vida nos faz batalhar diariamente pelo impossível, no entanto vivemos com o possível. Nessa relação entre o possível e o impossível é que vamos sobrevivendo.
Parabéns pelos textos e pelo blog. E que venha o livro com mais histórias.
Abraço,
João Melo

José Mattos disse...

Valeu João,

Seja Bem Vindo.

J.Mattos