quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Canção de se tu me queiras

Por causa da música do Le Mans e por conta das lembranças dessa hora.

Meu pai achava que eu chorava demais, estava acabado dentre os da matilha. Tinha um final pensado e um medo sereno de eu não ser aquilo que ele sempre sonhou – sua máxima diferença. Eu afinava meu pranto e como sabia fazer escondido, engolia tudo que me caia dos olhos. Um dia não deu. Aconteceu de eu gritar ao meu pai que estaria pronto a tudo que fosse amável. Radicado na extrema ideia de ser completo, completando a quem quisesse esse afazer dedicado e irrequieto que é o amor. E disse tudo com a lança apontada aos seus passados, às suas impossibilidades, querendo, ademais, que aquela pessoa saísse de seu pedestal e aplicasse a si, o que eu, desde muito cedo, decidi que seria meu reino. Gritei-lhe o nome dela. Um pânico desconcertante de atavismo lhe veio aos olhos. Pude ver que a identidade lhe chamara ao passado remoto em que tudo cintilava precoce e mortal como a mim, estavam nascendo aqueles dias dentro do amor. E então lhe cantei essa música que me vem à cabeça agora. Roubando a pronuncia da língua à entrega de todo segredo do meu momento. Não houve abraços, nem lágrimas. Não houve a permissão ou o embargo. Apenas a canção dominando a sala, os quartos e toda a extensão da minha vida, a qual, para sempre desde aquele momento, partia numa direção avessa ao querer dele ou de quem fosse. Estava pronto a viver sublime e tenso. Amargo ou doce. Sobre as sandálias dela esquecidas em meu caminho, em sua poltrona de matar a tarde vazia de nossa cidade, a tomar chá sem nem mesmo suportar o cheiro. Falando unicamente que tudo estava bem e que, um dia, contaria a ela sobre a música que escolhi para vê-la entrar na igreja, segurando uma única rosa na mão. Acontecida inteiramente ao me ver, esperando-a. Sabendo num único gesto que tudo o que eu queria, estava bem diante de mim. J.M.N.

Para ler escutando…

Um comentário:

Anônimo disse...

Lino texto. Quando disseste para visitar o blog, juro que não esperava muito. Muito bom ser surpreendida.

Bjs,

Sabrina