quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Reassentar

Dona Gonzaga era muito velha. Seu esquecimento comia coisas das vésperas do fim da escravidão. Era branquinha sua cabeça e a pele debruçada no negro do Senegal de onde a mãe e a tia foram trazidas para as bandas de cá.

Dizia não sentir mágoa dos antigos donos, mortos havia mais de noventa anos e se esticava para mostrar o pedacinho de lençol que Nhá Diva dera a ela quando de seus oito anos, ao pé da pitombeira carregada.

E contava essas coisas aos homens que derrubariam sua casa e a levariam para uma maior, de alvenaria, resistente ao tempo, aos bandidos, mas sem quintal ou árvores como já havia detectado Dona Gonzaga pelas fotos que os netos dos netos dos seus netos lhe mostraram.

Ninguém devia sair de seu lar. Foi o que disse ao chefe da comitiva de transferência da vizinhança. O velho engenheiro com experiência igual em vários lugares do mundo, finalmente achou um rosto que o perseguiria juntamente com aquelas palavras ditas em meio a um largo sorriso.

Quando chegou a nova casa, Dona Gonzaga agradeceu a cada um da equipe com um beijo especial. Ao engenheiro chefe deu o mais longo deles e arrematou o encontro dizendo apenas: difícil vai ser não ter suco de graviola natural, faz bem para minha garganta.

Sua casa hoje é a única do assentamento que tem uma pequena cova no cimento do pátio, aonde se pode ver um pede carambola vicejando. J.M.N.

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