quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Sem abutres ou perdão

Vi Canindé morrendo naquela estrada. De custosa ferida de tiro ele morreu. Era um monstro em vida que desabava tudo ao redor, quando brigava. Um homem sem esmero para consigo e para com os outros homens. Morreu Canindé sem que soubéssemos seu verdadeiro nome. Que bem poderia ser José à semelhança de metade da vila ou Diogo, à unidade do médico que matava os vermes da meninada, antes de sabermos que era impostor. Canindé que tinha nome de cidade era bruto. Homenzinho de pernas curtas e fulminantes para corrida. Braços de tora para as lutas bem de perto e se agarrava, ninguém mais conseguia desfazer o desmaio do agarrado. Aquele homem eu vi morrer. Vi seu negro sangue que é aquele de quando sabemos que a morte cuspiu. Aquele fétido mastigar de destino que sai dos corpos muito usados pela feiura de assassinatos e berros. Canindé esvaiu pela estrada. Sem chuva aquele fim de mundo secou suas tripas em termos de minutos. Eu passava alegre pela pesca do dia, que quando vi aquele diabo formigando a despedida desse mundo me deu algo. Não foi tristeza ou piedade, coisa pior não foi que não senti me comendo a nuca, culpa ou medo de perder a fé. Senti talvez o que sentem todos os homens diante da morte. Um seco longo e pegajoso que faz pensar sobre o que se fez. Canindé me viu inteiro bem perto dele parado. Não pediu desculpas por nada. Falou adeus para alguém olhando meus pés cheios da água do açude. E antes de ir mesmo, perguntou se eu era feliz. Morreu sem ouvir o que eu disse. Morreu como morre todo aquele igual a Canindé, distante da felicidade normal da gente. J.M.N.

3 comentários:

Anônimo disse...

Cara gostei muito desse texto

Arthur

Maurélio disse...

Magnífico seu texto poeta escritor, meus aplausos.

Palavra de Ontem disse...

Maurélio, genial tê-lo por aqui meu caro.

Um grande abraço.

J.Mattos