sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O amor começa

“My Soul. I summon to the winding ancient stair;
Set all your mind upon the steep ascent,
Upon the broken, crumbling battlement,
Upon the breathless starlit air,”

William Butler Yeats – A dialogue of Self and Soul (1918)

O amor começa assim, de repente, na porta de um amigo, com um abraço evocativo do desamparo que já não sustenta o personagem principal; começa numa brasa envolvente que se aproxima de um susto e esgarça a imatura presença da espera por dias melhores, quando melhor mesmo é saber que o amor vem; e vem a despeito de toda contrariedade, vigília; vem apelidado de interesse, com uma formalidade de colegas a vigiar prosódias quando além de um bom dia, acontece a saudade. O amor começa nesse convite silencioso em se fazer compreender as filigranas de nossa falta mais secreta; quando mesmo dentro de um bocejo, corremos a certificar entendimento completo pela fala do outro; começa alimentado por quase nada e um suco de cor improvável; o cheiro desabonador de memórias tristes afeta a gente quando o amor está prestes a surgir com seu perfume próprio de embotar doloridos, chorume pelas coisas enterradas no quintal; vasto e apelativo como um avião escrevendo frases no céu azul de um domingo, a cidade toda sabendo que você está entregue, perdido. O amor começa do viço de uma planta que jamais tinha nascido entre as tuas plantas do jardim; um dia o olho vai certo no amarelo único das pétalas; sol vegetal decorando o vermelho em redor; não tem nada que se sinta mais só na pele e o frio que acontece nas manhãs de outono se supera com a leve lembrança daquele ser em que assentados estão os estados clínicos do novo vício pela presença nos mesmos caminhos; através do tempo qualquer em um dia apinhado de problemas, a imagem vem com a convicção de que terá um porta-retratos lustroso no fundo da pensa da gente; e acontecem sorrisos e inexplicavelmente ficamos afáveis, nenhum calor incomoda. O amor começa pela ferocidade com a qual declaramos extintos os outros todos amores de antes, aqueles que estavam vindo, aqueles que sequer passaram do portão da frente; não há ódios inexplicáveis porque a única desgraça é não ter notícias de quem será o portador desta cédula de valor incalculável que é o amor que começou. O amor começa quando outro amor acaba não para competir e se dizer mais possível do que aquele morto ou fugido; começa de onde se rompeu a linha de energia; de onde a luz não vem mais o amor começa e cheira como um continente inteiro de jasmins-da-noite e suzanas-dos-olhos-pretos; começa, por sorte, humilde, pedindo apenas o que temos a mão e se nada temos, começa nele mesmo; assim mesmo sem nada termos, o amor começa. J.M.N.

3 comentários:

Anônimo disse...

que texto lindo para ler numa sexta feira ensolarada...
saudades

Anônimo disse...

puta que pariu. que texto lindo rapaz. fiquei toda comovida.

Lia

Anônimo disse...

Esse texto é realmente maravilhoso. Parabéns.