sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Cartas a ninguém (20.11.2011 – 02:37 a.m.)

Caríssima,

Finalmente descobri teu segredo. Não tenha vergonha. O grito, a mágoa, a pele que arde, serão em breve passado. Descobri mais uma ou duas coisas sobre você, mas elas não importam tanto; não como me importa saber se esperas o fim ou trabalhas por ele.

Pensei muito em teus olhos presos no horizonte da sala, antes mesmo da janela teu olhar morre todas as vezes. É como um peso altíssimo que te prende as vistas ao limite do chão da tua casa. Carrego-o contigo se quiseres. Quando atirares este peso pela janela, verás dignificada, que ninguém mais do que tu mesma, em teu olhar e esperança, o amarrou. Isso dói tristemente, mas saber que nosso limite mora no espelho é a melhor saída.

Não te encontro em bares, nas casas noturnas, não te encontro nos telefones alheios ou nas conversas de corredor. Nisso és boa. Sumir-se. Substituir-se por uma vaga nesse mundo tão desesperado, porém rico. Doente, e por isso mesmo, carecendo de cuidados. Sou eu mais uma vez que te espero às portas dessa clínica. Da enorme tarefa de cuidar de quem não quer ser cuidado. Como nós em tempos idos, estes dependentes merecem nossa mão.

Minha cara, fechar os olhos e não cobrir-se de esperança não é a única saída. Legítima, pois assaz à liberdade sua de desistir, de não dar nenhum passo para fora do quarto, da sala, da casa, de si mesma. Veja bem, esse não é um convite a perder-se. Não é mais que uma mensagem de muito próximo.

Aqui de onde estou, farejo cada vez mais forte sua ousadia entranhar-se no silêncio, sua fúria corpórea aderir a insurreições. Não se apresse para que nasçam teorias, para que claudiquem tuas culpas. Daqui desta breve distância em que me encontro, posso sentir o forte cheiro do teu querer, denunciando-se, vindo em ondas.

A não soltares esses grilhões tão antigos, juro que invado tua morada e arranco o peso dos teus olhos, enfio brasas carne adentro e levo a correr a noite sob as luzes da alegria. Como dois passageiros errantes. Como dois velhos conhecidos da esperança.

Sinceramente,

J.Mattos

3 comentários:

Maurélio disse...

Profunda, bela e metafórica sua crônica espetacular, parabéns.

Palavra de Ontem disse...

Valeu Maurélio.
Fico muito feliz de tê-lo por aqui.

Um abraço,

J.Mattos

Anônimo disse...

Ah o encontro....
A partir de então, como escreveu Lispector, a felicidade sempre iria ser clandestina para mim!!!!!!!