segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Cartas a ninguém (09.10.2011 – 02:38 a.m.)

Querida,

Faz muito tempo que não escrevo. As coisas andaram gaguejantes por aqui. Ora voz e esperança, ora um parto tão dolorido de coisas sentidas, obstinadamente escondidas em outros tempos, aflorando, vindo à vida e reabrindo velhas escaras. Tão pior é não ter nada dentro para sentir a existência presenteada.

Estava cá pensando, que foi por isso que eu resolvi escrever, se poderias me enviar as nossas últimas fotografias. Toda a semelhança de felicidade que um dia conheci está naquelas imagens. Não as ordene que coisas como aquelas fazem mais sentido embaralhadas, misturadas ao ponto de não sabermos o que é um ou o outro, como nossas pernas juradas antigamente.

Manda um pouco daquele mel de abelhas que socorre minha garganta quando o grito vem. Umas maçãs bem vermelhas também servem. Meu propósito é atar-te mais um bocadinho a minha história. Por isso, talvez, crie esses diálogos tão solitários, como notícias de um tempo muito raro que acabou e em seu último suspiro largou-me na pele um monte de palavras desgarradas que são essas que te escrevo sem nunca enviar.

Há tanta coisa que eu conheci sobre as quais queria te contar. E tem esse chaveiro com o teu nome que trouxe de minha última viagem de esquecimento pelo mundo. Preso em minhas chaves ele impede que eu as perca como era tão comum, lembra? E me diz silencioso que entras em casa comigo, todas as vezes que abro a porta e como num revés da realidade, por um breve segundo, ouço tua voz lá no fundo da casa dizendo: estou aqui atrás, amor.

Li em algum canto que essa fisgada que me altera os passos e alteia meu desespero até que eu queira apenas um pouco de água e bolachas dormidas, assemelha-se às cócegas infundadas nos membros amputados, que como naquela canção antiga, deve ser extinta antes que a mortalha do amor no envolva para sempre.

Quanto a isso não tenho medo, pois mais do que um fisgo, mais do que um arranhar de saudade e impossível, escrever essas linhas me dá alento. Traz teu nome para bem próximo do possível, e chego até a rir descontrolado quando meu correio solitário perde teu endereço.

Sempre teu,

J.Mattos

2 comentários:

Anônimo disse...

muito lindo isso. conheci o blog atraves de uma amiga, a MArla. Vcs se conheceram na casa do namorado dela, lembra?
Amei o blog. virei sempre que puder.

bjs.

Cris

Anônimo disse...

Absurdamente incrível!

Teresa