quarta-feira, 24 de março de 2010

O desconhecido (ou da saudade irredutível)

Não sei onde estás. Se em Marte ou Passárgada. Não sei por onde te derramas agora que nosso infinito virou distância. Não acho as meias grossas para o meu frio constante, herança dos teus incômodos – os infundados e os de fato. Não encontro camisolas escondidas entre meus lençóis. Por onde envidas esforços de atenção completa irredutível? Não sei se demoras no banho ou se me enganas com asseios brincalhões. Não sei onde andam os filmes que víamos tantas vezes. Onde está meu mandato de segurança? Meu habeas corpus dessa cadeia de existir sem ti? Por onde dormes não sei, não respiro as mesmas náuseas. Por onde jantas com amigos não caminho, pois minhas ânsias agora me remetem à solidão de tempos atrás onde tinha a impressão de que me bastava e era mais feliz. Por onde compras os lanches para uma noite iniciada em trabalho. Onde deitas para ler tuas apostilas para a prova no dia seguinte? Não se ainda lês o livro que seria tua companhia em minha ausência. Não sei qual a validade dos sorvetes que estão em tua geladeira. Não sei mais onde dormir no colchão restrito. E paro e finjo não sentir dores e adito por mais uns dias minha esperança de não morrer antes da hora. Por onde andas que não me soltas, que não desferes o golpe final. Que não me pedes, a preço de vida ou morte, para ser teu até a imensidão de nosso desassossego? J.M.N.

2 comentários:

Anônimo disse...

“Eu não possuo o meu corpo. Como posso eu possuir com ele? Eu não possuo a minha alma. Como posso possuir com ela? Possui alguém o rio que passa? Possui alguém o vento que passa? Possuímos nós alguma coisa? Se nós não sabemos o que somos, como sabemos nós o que possuímos?”
Bernardo Soares

José Mattos disse...

De tanto despossuir é que me entendo. Nada quero além de saber que nada sou. E sou menos sem o outro, esse elemento que me completa devolvendo o que não sei de mim. E quando percebo o que de mais me falta, mais busco o outro e espero que seja ele também despossuído de muitas coisas...

J.Mattos