terça-feira, 23 de março de 2010

Dos cuidados que se deve ter

6:30. Na mesma hora que acordo esse teclado ainda frio, deves estar alisando o único lado amarrotado da tua da colcha de cama preferida. A madrugada silenciosa repartiu-se em antes e após o telefonema que subtraiu parte da distância entre dois exílios. Não escapou a essa conversa o registro de meu espanto diante da furiosa pressa com que as vinculações e identificações foram sendo fiadas. Deves ter notado também como os nossos jogos linguísticos têm a beleza desesperada dos encontros terminais: quem chamarias pra ouvir a última batida do teu coração? pra quem e o que dirias se só te restasse um suspiro? Não ligas não, sou assim mesmo - a incontinência de minhas estadas me forçaram a pensar que cada frase que digo será a última. Por isso gasto cada minuto a dramatizar, a chantagear e ameaçar. Sei que isso não passou despercebido, mas preferistes pedir pra ouvir mais um pouco a minha voz e a minha respiração, justificando que querias mais um pouco dessa paz. Sabe, depois que me falaram de teu apreço pela minha aparência de recluso, todas as vezes que estávamos no mesmo lugar, sentia o teu olhar em mim como um carinho que ficou no ar, como um afago prometido. Nossos encontros avançaram desde então, do silêncio mútuo para um aceno de cabeça, do aceno de cabeça pra um oi, de um oi pra um telefonema repleto de confissões que foram virando doces sentenças. De sentenças pra intenções, de intenções para planos, de planos pra promessas, de promessas para... Não me apetecem as especulações, sobretudo quando dizem respeito ao tempo. O chão à frente está coberto devaneios e delírios de última hora. O que me ocorreu por último: dar-te um banho devagar pra lavar as dores do dia, usar as ervas e poções de minhas tias índias pra cobrir as feridas deixadas pelos desencontros de uma vida. Curar-te. Pentear os teus cabelos com ventos e nuvens. Senti-los entre os dedos. Cheirar-te. Massagear as tuas costas como uma mãe que prepara um pão para os filhos. Provar-te enfim. Com absoluta certeza, me perderia nesses cuidados involuntários, dúbios e anteriores. Minha esperança, no entanto, é que tudo se encerre com a memória dos meus sentidos te retendo assim, inteira, e renascida.WDC

Nenhum comentário: