Antes dela, escrevi que para amar era necessário deixar de ser, escapar-se. Amar completamente era desprender-se de si, criar uma entidade. Quase um fantasma. Era exigir dos olhos a certeza, da boca a fartura e crer que o azul celeste é sempre cinza diante dos confins dos olhos dela. Reconheço agora que isto era apenas a terça parte dos insumos. Um doar escasso para a imensidão do amor. Amar é a deserção de si, e ter em gotas o sumo da vida e praticar atentados às certezas de ontem. Armadilhar liberdades, cultivar entregas. Amar mais que tudo e sem caber é como dar o que não se tem e criar dívidas para outras existências e dimensões, para outros eus. É nunca estar, pois este estado é próximo de inexistência - antimatéria. Amor dá luz em pequenos frascos e apreço, muito apreço, menos por si e a quem canta serve o gracejo das melodias. O amor corre nos braços de violinos, violoncelos, instrumentos para poucos. Antes dela escrevi que amar era de verdade a quintessência dessa vida que, ao que parece é mesmo a última. Hoje digo que não sei de mais nada e prefiro deixar as versões escritas para quem tem propriedade de palavras. Eu tenho apenas saudade.
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