Para o Wagner e nossas ladainhas de identidade e paixões letais
Tem algo que sempre quis te perguntar. Desde o tempo em que eras meu herói, meu espelho, a melhor coisa que eu podia me tornar. Desde esse remoto tempo em que te adorava eu quero te perguntar uma coisa. Mas depois vieram as lições de catecismo e aprendi que uns lavam as mãos, outros crucificam, outros ainda oferecem a face em troca de um perdão de si, cuja tão imensa impossibilidade prefere gerar o silêncio, em vez de oferecer a força bruta novamente. Não quem bate uma vez e vê o alvo ofertado já se depôs, não tem mais argumento. E o perdão? Bem esse talvez nunca venha. Mas depois disso eu continuei a te admirar. Inseguro entre santidade e vida, entre pecados e maçãs, as letras do conhecimento se atirando uma a uma dentro de mim. Eu me recriava. Regozijado e duro como os poucos expulsos puderam ser. Os que resistiram até a punição do pai. Depois vei o corpo de fato. A mulher que me descobriu e abriu um precedente perigoso para minha humanidade. Meu bicho inconformado solto e farejando saias curtas e mocinhas solitárias, cujas belezas ninguém havia descoberto. Veio nisso, inclusive, o vapor barato, o sal dos loucos, a terebintina. Fazendo jus ao impossível de desvencilhar-me, fui ao fundo, naufraguei. Como todo bom capitão. Um estúpido. O herói que ficou à história por não ter conseguido correr. Entretanto, quando me mantive, voltei a pensar em ti como um rumo, como um exemplo. Mas ai vieram os pensadores e suas vísceras, os alcaloides e as madrugadas oitocentistas de poesia, histeria e barlaventos. Veio arroubando o ultimo fio de inocência, a textura da pele, a acidez das tripas, o cheiro do próprio vômito depois da festa. Veio em mim uma orquestra de acordes desarrumados, cuja única função era chamar a atenção para o nada que compunham. Foi quando pensei em ti mais forte. Já te desmanchavas em minhas próprias linhas e catástrofes. Teu sangue ordinário em meu chuveiro, como vindo de mim, mas sendo limpo ao invés. Ainda assim, sobrou esse misto de fome e raiva. Essa alegria peculiar de te ver indo todos os dias. Não para a morte que não é isso o que te desejo. Simplesmente indo morar em tua própria memória, recuperando aos borbotões tua veia nova, tua loucura antiga. Fazendo teu, enquanto eu ainda pergunto quem serei. J.M.N.
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