sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O Beco (ou Micro romance XII)

Estava muito cansado era o que dizia Ortiz. Antes daquilo se tornar verdade ele era incansável. Todas as pernas das mulheres do porto conheciam suas mãos, seu toque, tudo seu. Talvez por isso tenha se tornado uma espécie de celebridade entre meliantes e entregues, entre os padres que desertavam e as putas feitas de mar e saudade daquele lugar. Tudo era passado entre os humanos das redondezas. E quando tudo estava duro demais para suportar, escolhiam-se entre as memórias ternas ou brutas para suportarem apenas mais uma noite suja daquelas. O velho Ortiz era o mais presente. O mais requisitado companheiro de solidão que se podia ter. E fazia tão bem às vezes de silêncio que era capaz de ser chamado por todos os nomes de amores passados, de primeiras paixões que ganhou o apelido de Beco, para onde se entrava uma vez e seguia-se em frente até a luz do outro lado. Era apenas de passagem que o usavam. No dia que me contou sua história, finalizou os relatos sucessivos e intricados demonstrando, francamente, saudade de todos aqueles personagens, dentre os quais não se podia definir a partir de seus contos, quantos deles haviam realmente existido e quantos eram ficções inventadas para não dar conta de que vivia tão só quanto um único poste em beco esquecido. Muitos deles mortos pelas coisas da boemia, pelos assaltos constantes ou pelas doenças frequentes que avassalavam a liberdade de seus domínios. E em suas palavras e gestos, aquelas mortes pesavam de maneira triste, porém, estranhamente, calma e tranquilizante. O velho Valdo Ortiz, sentado numa daquelas cadeiras de embalo do século retrasado me disse olhando nos olhos: jamais fique só e não deixe ninguém o alimentar de isolamento. De suas palavras o que mais lembro é disso. Esse elementar conselho que eu costumava não atender. J.M.N.

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