segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A geografia dos encontros

p/ Sara Giusti

Sei que da tua boca não escapuliu serelepe uma promessa, mesmo assim leva as chaves de casa. Sei que não precisarás dela em outra cidade, mas eu precisarei, pra ver no portão um inequívoco portal de estalos e espantos.

Lembra sempre de cuidar mais dos teus cabelos que da tua cozinha. Te dedica com afinco aos estudos e depois ao trabalho, mas não deixa nenhum dos dois te devorar. Torna os homens teus companheiros, e não servos ou senhores. Não cries dívidas com o amor. E nunca te abandones. Tá bom, sei que tudo isso já sabes e que muitas dessas lições fostes tu quem me ensinou, mas deixa eu ser mãe até os últimos segundos antes da tua partida. Não me tira esse direito.

Aqui nessa casa fará falta o teu entusiasmo com a descoberta de uma nova cor ou de um pano novo. Fará falta as tuas notas vermelhas, esses abraços rubros com quais nos enlaçávamos em aulas madrugada adentro. Fará falta as tuas paixões fugazes pelos meninos e teu amor inapelável pela vida.

Vai, toma a benção do teu pai. Não, ele não está concentrado no jornal. Quem dói por dentro não enxerga nada fora. Ele, certeza, está tentando encontrar os algoritmos que comandam as despedidas. Quando achares que deves descansar um pouco da tua aventura, tua cama terá colcha cheirosa que trocarei todos os dias da tua ausência, teu lugar no sofá ainda será um eco das tuas formas. Se ainda te apetecer, meu colo também estará aqui, tentando vencer calado o martírio que é te esperar. WDC

3 comentários:

Edna Moia disse...

Pedistes,pois aqui atendo. Não por compromisso com a tua birra ou acerto com qualquer neurose, mas por verdadeiramente apreciar a arte que representas, que fala tão sensivelmente dos mistérios que a gente carrega de bom ou mau grado. Minha admiração mais uma vez. Lindo. Na mãe o reflexo de uma imagem que antecipo, uma identificação inevitável que me faz crer, por um instante, que as mães tem mesmo (o mesmo) código de barra. Na filha outra filha, duas criaturas de pêsos diferentes,tamanhos distintos, linguagem e interesses desiguais, mas semelhantes naquilo que aos nossos olhos maternos nunca mudará: docura, beleza e pequenês que sempre caberá nos nossos braços e sempre disponibilizará de reservas de acalantos.

SARA disse...

Wagner,

Demorei pra responder aqui porque passei alguns dias pensando na sua formidável capacidade de apreender as coisas – e na sensibilidade para escrever sobre elas. Quando li seu texto, é como se eu mesma estivesse o escrevendo, linha por linha, tamanho foi o efeito das palavras. Uma vez te falei que grande parte da minha dor era um medo enorme de perder o amor dela. Ainda tenho um pouco sim, mas até agora, até aqui, só percebo que esse amor aumentou.
Obrigada. É sempre bom ser inspiração para escritores talentosos como você.

E para Edna, minha admiração também, que soube captar a mesma angustia que as mães sentem nesse “segundo nascimento”, nesse segundo corte. Mas não se preocupe não, a falta faz com que esse mistério que nos une (mae e filha) só cresça.

Sara Giusti (tentei não ser muito piegas. :)

Erika Santos disse...

Eu..com verdadeira emoção e ligeira comoção... e tensão, do amor desconcertado, aturdido...
Bela tradução do que ocorreu-me denominar de "síndrome do colo frio"...
Sem mais...Parabéns!