sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Cartas a ninguém (21.01.2011 – 2:33 a.m.)

Lá pelas bandas de Montevidéu, atrás de Eduardo Galeano.

A noite já vai alta. Parece que o relógio esquece que estou aqui. Amanhã é um dia que preciso conhecer antes que venha, pois sairei ferido. Não faz mal. A boca do tempo me beijou. Um beijo suave e flamejante como quando me acordavas com medo do escuro. Uma saudade cheirando a lêvedo e azaleias, como os canteiros de onde nunca estivemos. E mando postais.

A cidade inventou um frio que existe apenas para uns poucos incautos que estão sozinhos de si. Pulôveres? Já os vi pela rua, sob o sol degradante sobre o verde daqui. Natureza empedernida a gritar sua maioridade, bebendo gordamente a chuva, mexendo na estrutura das ruas, doidivanas. Como se eu próprio não pudesse comprar bebidas, fumar em lugares públicos, planejar um assassinato.

A natureza manda recados, invejar é sua busca. Inveja a perda de todos nós, por isso só come os restos, não vem ao banquete, enquanto todos planejam matanças uns com os outros. É uma senhora que espera. Sangra seu verde quando andamos. Eu germinando sentado no fundo do quintal. Os anos passando à porta do céu de minha boca.

O aviso final: Estou ficando para paisagem, Querida. É isso que me grita a idade. Os pés em raízes adentrando a terra molhada desta terra que me esqueceu. A outra frase que tenho é que tudo vai dar certo. Assim eras por natureza. Uma otimista. Eu fiz questão de odiar isso mais do que todas as tuas outras qualidades.

E por fim, amor, do fundo do coração me espanto querendo saber mais desse teu gosto pela memória de certezas, pela oferta de substâncias secretas embaixo dos limos de minhas desgraças. Queria, amor, poder saber dessas coisas são tão tuas, como é da natureza, o verde que brilha enquanto a água torra sob a virada do clima.

Mas não vejo mais os pássaros na árvore diante do prédio. Perderam a bússola. Ou eu a perdi. Agora queria beber a chuva, mas não posso. Jamais serei tão natural assim. Minha pele sente os dias virando e a tempestade renovada como os raios de sol. Tudo bem! Sei que as poças formadas serão extintas pelo calor, ou pelos carros que passam correndo.

Antes disso, Querida, não ousarei olhar dentro desses espelhos fulminantes e transitórios feitos da água da chuva e das falhas no asfalto. Eles parecem brincar com a pessoa que anda sobre seus vitrais passageiros.

Dorme bem,

J.Mattos

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