segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sem pudor e sem pecado I

Estou cansada hoje. O dia dobrou-me os anos vindouros. Estou indo deitar mais velha que minha velha e morta bisavó. Todos os ossos doendo. E os olhos cansados do mesmo. Estou indo recitar poesias da época do império para ver se o sono vem. Muito antiga e sem mim que eu sou agora.

Ainda tenho na mão a flor que ele me deu. Ficou tão presa sob meus músculos e força de trabalho que secou e ficou preta, preta. Acho que foi minha pele tomando a cor da florzinha amarela que ele me deu, que eu senti às dezesseis horas, depois que ele saiu do escritório. O tempo virou detalhe.

Não houve nem um bom dia, nem até logo. Meu pai ainda prescreve aqueles velhos remédios aos dentes podres do pessoal de quem ele trata. Vejo nisso uma certa vergonha por não ter sido quem poderia ser. Meu pai nem percebe que eu ando me libertando aos pouquinhos.

Agora acabo de rezar um terço pela metade. Parei para inventar uma prece de trazer o bem de volta. E foi assim:

... deixa de ser mau meus Senhor, não faz passar mais as horas sem um beijo dele no meu beijo. Não prende essa alegria bombástica que é meu corpo dentro do abraço dele. Ele ontem veio com aquela mão sabe-se lá de onde e me apertou um canto que eu fazia questão de guardar para a benção do meu pai, e foi como uma porta se abrindo por onde me esvai inteirinha.

Vou pedir sem pudor e sem pecado meu Paizinho... deixa ele vir novamente com aquelas mãos de abrir paraísos dentro da gente, deixa. J.M.N.

2 comentários:

Anônimo disse...

Noooooooossa! Que lindo. Que entregue.
Amei.

Dora

Anônimo disse...

A fazer pesquisas encontro-te e passo uma noite a espreitar-te o sítio. Saiu-me isto à guisa de inspiração.

"Inteira leio estas linhas. Abraçada ao tempo, com muita convicção de que aceitei o que me era certo e total aceitar.
Como podes escrever sobre minha dor tão mais acuradamente quanto não posso eu mesma em noites e noites a tentar?
Pasma-me a energia destas letras em cujas serifas e vígulas me encontro para mais adiante, perder-me novamente.
És aquele que deves a mim muitas explicações e bem sei que as têm em teus bolsos de aldrabão e mais ainda em teus beijos d'além-mar."

Tereza.