quinta-feira, 4 de março de 2010

Os estranhos instrumentos da verdade

Amanhece. Mas não dentro de mim. Corre a vida nas ruas bem abaixo. Ainda sou o resultado das imagens acontecidas naqueles horizontes que só vêm quando não fazemos parte da vigília. O gosto estranho de dívidas antigas. E penso nele a caminhar em praias desertas. Lembrando de cabeça baixa sobre as coisas de sua infância. Acreditando piamente que fez mal não se dando. Quase como um susto, sinto falta de abraçá-lo e lhe pedir um conselho final. Ensina-me a ser um filho bom. Como não houvesse bastante abandono naquela manhã desenrolada antes mesmo de chegar. Não há resposta, pois o pedido não foi feito. E penso que tenho de aprender sozinho, esforços próprios para esquecer o que não tive. Não tem problema. A decisão está tomada. Basta apenas encontrar-lhe e ser quem sou. Outro susto. No mesmo momento em que decido apenas amá-lo, ela me vem e percorre minhas culpas como a santa que nunca foi. Mas nada se acende em mim. Nada como antes era uma raiva permanente e dura. Sinto que tem algo mais. Outro íntimo a se esconder de minhas vidas. E neste canto, longe como poucas coisas são distantes nesse mundo, ela está sozinha. Tão só quanto eu. Percebo então que a mesma espera nos foi imputada. Que a mesma inquietude de não encontrar lugar entre os outros, toma seus ímpetos e impede qualquer cartografia ou farol. E começo a andar para sentar ao seu lado, mas ai, a consciência já tomou conta de tudo. Um sorriso. Um entendimento tão necessário finalmente me acessa. E me reparte em mil brilhos e cores e palavras. Não preciso estar sempre ao seu lado. Não preciso sentar no mesmo banco. Ela gora faz parte de tudo em mim. E me terá até o dia de minha morte. E por mais seis meses. Os dois são feitos de mim, tanto quanto sou feito deles. E mesmo que agora meu silêncio esteja doente, já posso lhes dizer que estarei sempre por perto. J.M.N.


Estava escuntando esta música ao escrever, resolvi deixar e indicar sua letra para depois. Quando qualquer incômodo vier.

3 comentários:

Unknown disse...

Irmãozinho, sabes o quanto essas memórias do que faltou me acendem. A mim, como a ti, o silêncio e todos essas coisas inomináveis que o silêncio arrasta, deixaram sequelas. Somos sequelados, decerto. Mas o que nos faltou foi amor em demasia que insistimos em buscar. Pecamos por desejar demais, por demandar o que eles não tinham, pois preteridos pela vida receberam esse olhar vigilante e grave dos que necessitam provar que são capazes de se prolongar competentemente pelo mundo. Fazes assim, perdoa-os. E segue.
WDC

José Mattos disse...

Sabes melhor que todos que já foram. Que no fundo nunca foi amarga minha sentença. Apenas desentendimento com o sabor aniquilante, mas irresistível do desamparo.
Quanto a seguir... ora, sabes bem que o faço... afinal, estamos no mesmo caminho.

J.Mattos

Anônimo disse...

essa música é linda... e o texto!!!

Bjs,

Márcia