quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A verdade dos entrenós (ou "na hora da arrebentação")

Para o Marcelo Mirisola e o Dalton Trevisan.
Para os meus amigos Wagner Caldeira e
Marcelo Damaso.

Ah sim! esqueci que a conta é tua. Morte e vida adiantadas, lembra? Não esquece de perder a cabeça, de lutar contra o que és. Não esquece, sobretudo, de descolar aqueles tênis ortopédicos que sempre quiseste. O caminho é longo até as certezas. O mar desbota, isso é um fato. E meu olho não cabe nas tuas promessas. As tuas luvas? Não as devolverei. Existe o macio das tuas mãos dentro delas. Do íntimo dos beijos é que nasce o visgo irremediável da espera. A oligarquia dos sentidos amplos, mordaça das coisas mais extensas de nós. Quando tinha doze anos, meu pai me deu as chaves de casa. Nunca mais tive sossego, pois quando as chaves são entregues, as portas passam a ser responsabilidade nossa. Não era o tempo. Ainda penso em pão rasgado e mudas de feijão apodrecendo nas tampinhas de maioneggs que a minha vó ofertou com muito desprendimento. Um carinho de doação para as mortes anunciadas. É sempre assim. Ai tomei as pílulas de uma vez e minha visão virou um livro manuseado pelas crianças no liceu - páginas ao vento e uma história automática que só encerra com a palavra: fim. De minha parte, houve sexo e maratonas de cansaço e a pergunta emblemática do último domingo: vais mesmo querer casar comigo? Era, de fato, um estúpido. E Ana Maria Braga rolando de manhã cedo. A TV derretendo os cérebros por ai. Quando ela perceber que é simplesmente ridículo falar com um papagaio de esponja, vai dar merda. Bohoslavsky era um cara preocupado com a vocação dos outros e dizia, abre aspas, assim como na culpa persecutória, o sentimento que predomina é o ressentimento, na culpa depressiva o sentimento que predomina é a trizteza, fecha aspas. Esta mesma tristeza de descobrir enfado num monte de anos dedicados, de arrumar a casa para não chegar ninguém. Eu tenho vocação para mundos secretos e cangaceiro e culpas displicentes porque não fundantes, ou, fundantes, porque implicadas - na história dos outros, na imagem do espelho, sei lá em qual litografia de Alois Senefelder. Tô dizendo que o carinho na entrega das tampinhas de maioneggs é um tumúltuo para nossas impressões infantis. Dai fiquei assim: meio cego para as obviedades da vida, acreditando que poupança é metáfora para abandono parental e mais, morrer de amor dói mais é em mim mesmo. Um último lembrete, uma frase roubada: O insuportável só existe uma vez, baby. J.M.N

7 comentários:

Wagner Dias Caldeira disse...

Obrigado pela dedicatória em escrito que em tudo rebrilha como novo, como o cheiro da parte de dentro de nossas mochilas no primeiro dia de aula.

José Mattos disse...

Sei que sabes do insuportável... Esta entidade que, às vezes, nos implica e elicia verdades menos admiráveis e quando o vento passa, podemos vê-lo no melhor brilho de nossos olhos.

Abs,

J.Mattos

Anônimo disse...

Fodíssimo!

Muito bom o teu texto. Isso devia estar em livro. Compraria na hora.

Cezar

Marcelo Damaso disse...

Trevisan e Mirisola na mosca. Disparo certeiro de frases impactantes e boas.

Valeu a dedicatória, meu bom amigo.

José Mattos disse...

Boa fase aquela de Sampa... Com direito a vadiagem pela Paulista e show do Echo & The Bunnyman. Mirisola recém-descoberto e a revelação de nosso roubo em grupo pro Bonassi. Bons tempos caro amigo, bons tempos.

Um abraço,

J.Mattos

Anônimo disse...

Muito bom esse texto!
Podias investir mais nesse estilo. Fica diferente.

Tenho sentido falta dos toques sobre livros e filmes.

Anônimo disse...

Camarada... esse texto é um dos melhores do blog. Cheio de referências.

Muito bom mesmo.

Bruno Nelson