quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Degenerar-se

Para Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu,
Fagundes Varela e Álvares de Azevedo. E mais
todos os românticos irremediáveis feito eu.

Quem vai cuidar de ti e te dar insumos para tua irremediável destreza em entregas apaixonadas? O instante final? A morte das coisas brancas e sem gosto do teu quarto? Tuas visitas ao salão de beleza? Quem entrará nos reinos perdidos e fará injunções tenebrosas contra o establishment, criando revoluções e derrubando sistemas brutais? Rotas impróprias nestes mares impossíveis. E agora, aquele tempo que você queria não parece mais tão abusivo, não é assim? Sinto muito, liberdade não é um preço razoável. Além disso, a minha já estava empenhada em meus suicídios, meus esteróides e opióides injetáveis, minhas quintas-feiras gordas de desjejuns e trapaças, calcadas nas imprudências encontradas nos meus livros preferidos. Que se dane tua religião, tuas crenças, tua arrumação da escrivaninha. Só serviram para ímpetos de autonomia infundados. Não me interessa que contes tudo ao teu pai, que endivides ainda mais a tua mãe com teus resumos de ópera. Nunca trocaste ideais por realidade nem postaste aqueles cupons de desconto para as prestações da TV. Nunca estiveste aqui. Tinhas umas idiotices vergonhosamente parecidas com as minhas o que te botava numa situação ainda mais complicada, pois na hora em que precisasse amputar um braço, logicamente seria sempre um dos teus e quando estes acabassem e teus abraços fossem movimentos horrendos de esforço inútil e justificativas de abandono, talvez eu te oferecesse o calor dos meus afagos e te diria ao pé do ouvido que eras inteiramente minha, radicalmente dependente de mim. Tuas lágrimas e meus sorrisos, uma fortuna. Um gracejo de teatro e romance barato, mas serviam sim. Serviam para preencher meus sentidos, descascar minhas náuseas de estar tão só e fazer sombras cada vez menores sem a tua espera por mim. Fui secando. Degenerando em momentos de riqueza lírica e sentimentos áureos. E a cada amanhecer parecia menos comigo mesmo e cada vez mais com o que sempre sonhaste ter. E este preço, eu jamais pagaria. J.M.N

4 comentários:

Anônimo disse...

Penetralia(Olavo Bilac)
Falei tanto de amor!...de galanteio,
Vaidade e brinco,passatempo e graça,Ou desejo fugaz,que brilha e passa
No relâmpago breve com que veio...

O verdadeiro amor,honra ou desgraça,Gozo ou suplìcio,no íntimo fecheio:Numca o entreguei ao público recreio,
Nunca o expus indiscreto ao sol da praça.

Não proclamei os nomes,que baixinho,Rezava...Eainda hoje,tímido,mergulho
Em funda sombra o meu carinho.

Quando amo,amo e deliro sem barulho,
E,quando sofro,calo-me,e definho
Na ventura infeliz do meu orgulho.

José Mattos disse...

O amor é uma companhia
(Alberto Caeiro)

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Anônimo disse...

Lindos estes versos,não os conhecia.Adorei.Concordo com a mensagem que passa" O amor é uma companhia" e pede companhia.


Bjs,

Anônimo disse...

Buscai.