quarta-feira, 15 de julho de 2009

Pequeno romance de reparação (ou Para quê a morte?)

Quis te matar depois de tantas medidas irreparáveis. Quis trancar-te num sótão escuro e jogar a chave fora. Quis escrever um romance e entalhar uma placa de madeira com teu nome para o esquecimento diário te alcançar na porta de minha casa.

Engendrei tantos planos de tortura e assassínio que acumulei experiência suficiente para iniciar guerras sozinho, mas nunca terminá-las. Revelei os mistérios todos que me recobriam de tristeza e de falsa harmonia. Saltei em pleno vôo, sem aparatos de segurança. E quase morri enfermo a buscar entender o que me detinha naqueles teus braços tão frágeis.

Hoje de manhã estiveste em minhas retinas. Não sei se me reconheceste. Passeavas desinformada por uma insuspeita inspiração para poemas e cantos de trabalho. Uma tua contribuição longínqüa a inaugurar outra espécie de auroras em mim. Tão menos tensas que o transe da culpa. Tão menos ríspidas que a fome causada nas fugas. Tão menos perpétua que as promessas descabidas. Uma vontade de gostar sem medo. De atingir-te num dia festa, com presságios de bondade e coisas nulas - enchimentos para um enlace não mortífero.

Reconheci naqueles teus olhos intrigantes a matéria que advinha de mim e me causava asco. E essa memória cáustica acumulou-se em meus sentidos e por um breve momento pensei que ia desmaiar. Minha respiração voltou ao normal. Sem raiva ou medo de lá estares. O dia quase não sofreu com este pequeno atentado.

Hoje, ao te ver, quase esquecida, entendi que a tua morte não deixaria de pesar em meus ombros cansados e não faria silêncio nas coisas ditas em linhas de romance e reparação. Não, não quero que morras. Quero poder andar nas mesmas ruas infestadas de lembranças e poder te sorrir um dia, em frente a todos os que agora sentem medo de se terem dado. Poder simplesmente dizer-te até mais ver e não ter receio de sentir tua falta. J.M.N

2 comentários:

Denise disse...

Tenho tentado matar desejo e quereres,em relação a alguem especifico.
o problema que isso é feito fazer radioterapia,tu não mata apenas as celulas doentes,muitas em volta morrem.
A que percebo que morreu foi minha fé nas pessoas.
Aposto que tem outras morimbundas.

beijo

Denise

José Mattos disse...

Contra algumas coisas não existe profilaxia, não é mesmo?

Um abraço,

J.Mattos