terça-feira, 21 de julho de 2009

Amor barato

Um tipo de amor que é esfarrapar e cerzir
que é de comer e cuspir no prato
Mas levo esse amor com o zelo de quem leva o andor
eu velo pelo meu amor que sonha
que, enfim, nosso amor, também pode ter seu valor
também é um tipo de flor
que nem outro tipo de flor
dum tipo que tem
que não deve nada a ninguém
Que dá mais que Maria-Sem-Vergonha


Chico Buarque - Amor Barato


Encontrei nosso amor num vaso de plantas, quase mortas pela falta de luz, de água e cuidados. Encontrei este vaso em sua casa desarrumada, perto da porta de entrada onde paralizei na primeira vez que te vi, pois quando te visitei de verdade foi para ir direto pra cama e fazer aquilo que sempre dá um prazer danado e em nosso caso era mais que o ar que respirávamos, a briga consentida em que nos matávamos pouco-a-pouco. Encontramos afagos e gestos de entrega e vistas cansadas e anos de pecado. E juntos invadimos as coisas um do outro e estragamos as pinturas dos quartos de tanta luta e entrega. E mentimos como ninguém para nós mesmos e para os nossos e inventamos motivos de ir e de vir e morrer e ressurgir completamente em pedaços, pedindo a cola dos beijos para novamente existirmos fingindo sanidade. Estivemos nas praias sonhadas com furor de descobridores antigos, deixando pegadas profundas e com necessidade de mostrar que lá estivemos. Encontramos nosso amor fora de andores e num terreiro onde os cantos eram oferendas e as moças rodavam e se perdiam entre este mundo e o de lá. E pedi para que curasses minhas costas, lanhadas pela tempestade. Encontramos a comida quente nos domingos de estar. Envergonhávamos os vizinhos e os funcionários do edifício com as subidas na escada. Mostrávamos a todos o quanto nos gostávamos e cuspíamos no prato um do outro e velávamos pelas certeza erradas. Dançávamos na cama derrubada e nos despedíamos sempre com o vício de entrelaçar os braços. E agora que a luz voltou, que as janelas se abriram, que as ruas estão alargadas, esse amor que encontramos por ai vai se dizendo através de segredos e de conversas de explicação que não servem. Nosso amor barato que não pede permissão pra nada, que não usa as vias normais que é mais demência que constância e interfere nas batidas do coração. Amor que se importa, mesmo quando faz doer, mesmo quando aflora lados opostos e imagens ruins. Amor que espera cafuné, até mesmo quando se sonha acordado e morre um bocado toda vez que lembra que não devia ter chegado ao fim. J.M.N

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