segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O que era para se dizer em abril

Te vejo fim de maio, em meio às sujeiras do deserto do Novo México, para onde vou afogar minhas mágoas. Aquela desculpa de estar cheia da insensatez que te causo não foi lá muito boa, mas acredito. Fica chato mesmo ser bom o tempo inteiro. Esqueci-me de como ser mau, perverso. Ontem fez um dia daqueles em que estaríamos sentados de pantufas trocadas, comendo Corn Flakes murchos com iogurte vencido, só por preguiça de ir ao mercado. Li o Neruda que roubei de ti e, a despeito do Chico Buarque, nunca mais te devolverei. Fico, agora, horas e horas escrevendo versos, mesmo detestando poesia. Escrevendo coisas infames tipo: roubei os traços ao mágico/interpelei minhas sensações/e estavas lá/ dormida num sono meu/tranquailidade nunca mais. Vou dar essas coisas para alguma banda local. Quem sabe pega. Os meninos de hoje tem um limite muito maior do que o meu para as coisas bobocas que se escreve. Filosofar nem pensar. Nem sequer um diazinho de raiva das coisas ridículas da TV e a aflição de se ler uma Sábato ou um Lautreamont. Foi disso que escapaste? Da chatice? Do surpreendente descobrimento de finitude? Do gosto pelas coisas que não são o gosto dos outros? Onde estás que não me respondes? Fico aqui a escrever estas barbaridades, esperando que um dia aconteça novamente aquele estado eufórico de te encontrar pela primeira vez. Protegido em meio à arrogância dos que julgam que nada existiu antes deste vazio. Eu sei quem foste. Sei que estiveste cá. Já não estás, mas ficaste de algum modo. Te vejo no fim de maio. Cheio do pó e da solidão do deserto. Mais seco e suave na pele e na boca. Com bom gosto para águas. Te vejo num fim qualquer. Desses meus dias no internato ou nos pontos finais que ainda surgirão na minha interminável busca por novamentes, retomadas e mais adiante, por uma vida inteira.

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