domingo, 29 de junho de 2008

A CARTA ÚLTIMA

P/ Franz Kafka

 

Caro amigo,

Não foi este o adeus que ensaiaste a 10 anos no escuro do teu apartamento. Disseste-me depois que, ante a visão dos meus passos na rua vindo para uma visita casual, algo se acalmou no teu íntimo e que desististe da queda. Hoje, o tempo parou lá no alto do relógio da praça principal de Praga apenas para observar a despedida que teus poucos amigos vieram dar-te. A nossa Paris listrada chorou tua morte luzindo suas lâmpadas cálidas.

Nobre amigo, prometo-te que executarei quase todos os teus desígnios: enviarei ao editor a ordem correta da tua última coletânea de contos. Presentearei Felice com a tua caneta e o tinteiro vazio – como ninguém, ela soube te fazer escrever e sofrer. Postarei no correio a última carta escrita pretensamente por uma boneca para a sua dona, a mocinha de uma praça em Berlim. Teus sapatos a teu pai; ele saberá o quanto caminhaste até concluíres que vocês não precisavam compartilhar a mesma senda. A Dora farei crer que com ela chegaste o mais próximo do sossego. Mas não queimarei os teus escritos, não seria justo depois que fizeram senhoras desmaiarem e retraçaram minhas certezas na literatura e na vida.

Um comentário:

José Mattos disse...

Lembranças das nossas correspondências. Acho que agora entendo Bandeira e Mário de Andrade.
Abraço