para J.Zavala
Sentado ao pé das árvores mortas, subindo as longas escadarias – improváveis monumentos – ou esperando os barcos retornarem das aventuras de destino e os homens com seus tesouros empedernidos a confiscar as nativas para os amores instantâneos. Assim ele se desdobra em seu ofício de escriba. A cutucar o passado com seu condão de homem preto. Com a alma fincada do outro lado desse mundo e com os olhos atentos para os perigos em redor. Ei de lembrar de Jonas, o guerreiro, escrevendo as linhas da história secreta de seu lugar. Segurando numa mão a pena e na outra, uma arma branca para se defender dos ladrões, dos mercadores do tempo, dos senhores incautos, do perigoso esquecimento de Lusaka, dos velhacos disfarçados de mestres, enfim. Naquela época, já todo mundo acreditava que as vozes eram unas quando se falava de Inhambane. Mas não era assim. Não poderia ser assim. Não enquanto ele estivesse em pé olhando horizontes além de qualquer um. Nativo indesejável na terra lusa, estreitou laços com os mais sabidos, pois quando saiu de casa, prometeu ao pai cumprir o sacramento de voltar e saber mais que os mais sábios e ter mais força e coragem que os mais arrojados. Não por vaidade ou desdém, mas por vontade e crença. E assim fez. Conheci-o quando seu exílio ia pelo meio. Quando as torturas estavam mais viscerais e seus amores já quase se extinguiam numa mesma cama. Tinha o rosto manso e aberto. Mas a tristeza inoculara nele a terrível peçonha do estranhamento, da desolação. E algumas vezes, largava-se no triste exercício da descrença em si, da assunção de verdades alheias, malquistas. Andava atrás dos frades menores, buscando nas escrituras desviadas as respostas para seus enigmas de outrora. Nunca sentou à mesa deles, os mais abastados. Nunca cruzou o rio pela ponte principal. Esteve sempre à margem. Curioso e constante como o tempo em si. Rebocando com firmeza as estirpes menos nobres. Contou-me sua história sem capítulos, como se fosse um fluido que, há muito, teimava em lhe sair pelos poros. Seus olhos não vacilaram nunca e mesmo quando chorou o fez sem dor nenhuma, sem vergonha, sem molhar seus panos. Quando o deixei pela última vez, estava quase entregando o último volume de seus escritos. Esperava que o doutor de letras avalizasse sua escrita, suas idéias. Não pensou jamais em desistir e mesmo quando o imortal sisudo lhe deu negativas, não se entregou jamais àquelas vilezas. Jonas ainda me escreve e nomeia suas palavras de as cartas negras. Escrevo-lhe de volta com a mesma loucura branca dos que o impedem de voltar para o seu lugar, mas desejando intensamente que ele fique em sua fortaleza, com os olhos atentos no mar azul e suas distâncias. Escrevendo sobre a terra mãe, como ninguém mais será capaz de fazer.
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