terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Nunca é cedo demais para partir

Quando a gente sai gritando de dentro do quarto abrigo, o corpo da mãe deixado de repente, em meio a um cochilo, bem prestes a começar o medo do que virá. A vida vem feito um sopapo, e por essa dor inicial, fundante até, a gente chora. E se acostuma a chorar sempre que perde, sempre que ganha, sempre que a tarde não traz senão a ausência de alguém. A gente já cai vivendo no mundo e espera viver mais depois da morte. A gente espera que a eternidade seja melhor do que a água da chuva explodindo nosso romance, liquidando nosso sono profundo. Nunca é cedo demais andar mais perto de si. A gente fica apertada dentro do quarto da casa. Esperando que a vida invada nossa garganta, que desafie nossos limites e não pare nunca. E se a gente esquece que já está na escada dos anos, na corrida pelo descanso mais quieto que existe? A gente que já tem escaras suficientes aos poucos anos da juventude, ao insulto mais vergonhoso que atiraram – a gente, essa gente de escaras francas e não eufêmicas cai no mundo, segue a estrada. Qualquer estrada que rime: fuga e solidão, saudade e vontade, amor e ódio. A gente segue. E às vezes não escreve pra casa. Não dá notícias em anos. Não é por maldade, por esquecimento, por orgulho ferido, mas pela vida que se conquistou na renuncia. Durante a digestão do impropério, das horas extras de vigília culpada. Razões mil para ferir-se e jogar com a sorte. Nunca é cedo demais para pedir as contas e não querer mais escutar que a sua casa não é sua. Que a presença física é uma espécie de moratória incômoda do que os outros não foram e veem na gente. Nunca é cedo demais para partir. De dentro de alguém para o mundo, de dentro da gente para o infinito. J.M.N.

Trilha sonora… (versão magnífica de Antony para a música de Bob Dylan)

2 comentários:

Anônimo disse...

Lindo escrito. Forte. Fatual... Gostei imenso.

Ana Fátima

Anônimo disse...

Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina. Mas ele
foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás (LISPECTOR In Felicidade Clandestina).
Conte nos mais poeta!
Beijo.