segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Escrito para excluir solidões

Lá vêm as vespas todas zunindo. Enchendo cada centímetro do ínfimo ao redor com sonzinhos de peito cheio. Gritos de presença. Lá vêm as lanchas riscando os rios, lá vêm deixando-se depois de irem. Seus rastros nos quais meu olho se esvai. Meu mundo líquido é de dentro e de fora. Corre em mim, incorro nele. Lá vêm as pessoas da família e seus ancestrais e histórias. Lá os vêm dependendo uns dos outros, seus risos, seus encontros esparsos. Não saber se podem amar. E depois aquele silêncio queixoso de quem sabe que nada será como antes, mas pode ser muito bom de vez em quando. Lá vêm meus irmãos todos juntos como em um retrato cantado – se houvesse. Aquele de sangue, os que escolhi e os que me escolheram. Lá vem a frátria animada, pronta para vendavais. Garrafas secas deixadas, muita esperança sorvida. Filhos, afilhados, orações pela vida – os irmãos já estão. Lá vem a vontade do tempo, reinando sobre tudo quanto vive, reinando sobre meus risos, minha pele que descansa das mentiras e se solta, cheias de traços e vícios – minha pele demais usada. Lá vêm as marcas do amor. Todas juntas em dias de ócio, todas duras em dias de mágoa. O que fica não é mais que um pó fino sobre as coisas vividas, o pouco pó do esquecimento diário. E o que se leva daqui deste assoalho terreno senão a biografia contada por outrem, fomes decorando a mesa, os conselhos de tantos, os senões de nós mesmos? Nada cala se há uma palavra para ser dita, se há razão em dizê-la. Se há uma solidão por perto, daquelas que quer comer tudo sozinha. J.M.N.

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