segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Permissão

A febre não cedia. Ele envelhecia anos sem conta bem diante de nossos olhos. Resolveu pedir. Não queria ficar. Todos ao redor queriam tentar. Ele não. Depois se ficou falando em direitos humanos, processos judiciários, possíveis culpas. E ele lá, dedicado a sofrer tudo por todos naqueles últimos dias. Puxava fraquinho, a beira do vestido dela e ela envolvida na conversa segurava sua mão com carinho, porém nenhuma cumplicidade. Sua voz sumia. Neste minuto o menino entra no quarto. Olha fixamente para aquela pessoa esquecida por todos no recinto e se aproxima. Segura sua mão e pergunta o que ele quer. Um cochicho, um sorriso. O menino se deita ao seu lado. Ninguém repara. A respiração vai descendo até os últimos andares daquele corpo surrado, maltratado pela conjunção de medicina, desencontro e o medo impermutável dos filhos, irmãos, parentes, enfim, que não suportavam vê-lo ir. Jamais lhe perguntaram a vontade. O menino cantava uma música que aprendera e em cujo refrão, havia as palavras céu e azul. O menino ia diminuindo a voz. Muito tempo depois, quando finalmente todos resolveram deixar-se e repararam em quem realmente importava naquele lugar. Viram-no morto. Assustados com a cena, o menino tranquilo ainda cantava, com a mão do doente segura em suas mãos. E aquela imagem de paz inaugurou o fim daquela pessoa dentro deles e os trouxe à verdade da libertação, com uma única e impressionante revelação. Alguém perguntou gritando: o que você fez com o vovô? “Eu deixei ele ir”, respondeu o menino. J.M.N.