segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Da distância entre os acenos

 

Estava naquela casa como quem mora numa certeza. Sabia suas paredes, suas goteiras e seus esconderijos. Sentia-se bem, dizia, e esse bem, no pensar de Zélia, traduzia-se em estar aliviada dos descaminhos da vida, os quais se acumulavam em seu íntimo desde os seus primeiros choros. Desde as dores do parto de sua mãe. Era como um azedume que reaparecia com uma frequência não desesperadora, mas incômoda. Era tipo um alheamento, um esquecer-se de si.

Por isso engoliu várias respostas possíveis até pronunciar um não faminto e esquálido ao gesto do Cizico. A mão pousada em direção ao céu convidando-a para um passeio de barco, com provisões suficientes pra não voltar naquela vila. Ele a queria por perto quando se abrisse a boca daquela primeira curva do rio. Aquela curva respingada de filhos de seus irmãos, de panelas de sua mãe e lembranças do seu pai. Aquele rio que tinha cheiro de pessoa idosa. O cheiro do seu avô, pescador dos bons.

Zélia não veio. Apesar de saber que seus corpos se sabiam de uma forma tão perfeita que parece que Deus pessoalmente veio talhar o lugar de encaixe. Cizico iria sentir falta da sua comida, dos seus sucos e da sua forma de deixa-lo incendiado de ciúmes. Zélia nunca mais veria um amor nascer bruto de uma raiva provocada pelo silêncio dele. Cizico queria estar no meio de algo vivo e corrente, mas ali, no colo do rio, enquanto durasse seu navegar, inventaria preces e bênçãos pra que aquela água o fizesse esquecer o tanto de sua carne que deixou por baixo das unhas vermelhas daquela mulher. WDC

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