quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Minha única outra pessoa e o perdão da vida inteira


Para o meu filho Cauê dos Santos Mattos, a melhor pessoa que conheço.

Em cada mínimo dedo meu havia uma dor de fratura. Encharcava, ardia, rasgava em cada veia, em cada feixe nervoso uma violenta tempestade. Minha boca que acordara banhada de um astro logo logo adormeceu, como que para sempre. Nenhuma palavra eu daria à luz porque dentro de mim havia um deserto de sentidos, de significados. Escuridão de erro e descuido. Havia um ato de contrição inscrito, por cada ano de minha idade, por cada número de meu registro civil. Eu era simplesmente frêmito e ocaso. Como não faltasse mais nada a que se debridar em minha musculatura, houve aquele aceno de morte, aquele olhar de desgosto. Como tantos que já vi. Uma lança em meu peito. Senti-me um fracassado. O desalento do meu dia culminou em lembrar exatamente de cada uma das vezes em que fui ferido. Cada momento de fúria em que dispus de minha autoridade infundada para dobrá-lo e, pretensamente, chama-lo à realidade. No mesmo momento porém em que tive de lhe dar a mais triste das notícias, ele me veio com a salvação própria das pessoas iluminadas. Com a força titânica daqueles seres que antes de virem ao mundo, receberam o tato da bondade e a língua delicadíssima da compaixão. Seu olhar não trazia raiva, frieza. Não era o olhar de alguém que estivesse destroçado. Ele me olhou bem no fundo e disse para eu ter calma, todo mundo erra, não fica assim. Dentro de um luto potentíssimo que se instalava como por algo que jamais me viria sequer como memória, seu perdão nasceu e benzeu toda ferida e toda tristeza que me inundavam. Sua mão na minha, reprogramou a bomba relógio na qual me tornara. Mas houve explosão. E o alastrar dessa explosão foi de conforto. As ondas de impacto reacenderam cada carinho que eu recebera em vida. Uma memória quase mítica e reveladora. Num único gesto, em uma única frase, aquele menino mostrou o tipo de homem que ele é. Mostrou-me o tipo de amor que tanto nos falta pela vida. Ele não será uma pessoa de bem. Ele já é. Minha boca acesa, de mil astros ensopada, novamente festejou. E pude dizer-lhe que tinha orgulho em ser seu pai, que não aprenderia com mais ninguém e em tempo algum o que ele me ensinou num único minuto de fraternidade. Diante do gesto dele, não há outra possível coisa a fazer, senão lidar com tudo, até que eu mesmo me perdoe. Se esse tipo de irmandade é possível. Se esse tipo de paternidade filial pode existir. Então, quem sabe, a humanidade tem mesmo a chance de durar. J.M.N.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que belo texto poeta. Que delicadeza e intensidade. Expressões de amor assim são faltosas nos dias de hoje. Fiquei realmente emocionado com esta frase de início, que atesta de imediato toda a força que virá a seguir. Ao terminar de ler, fiquei com vontade de ligar ao filho que está em Brasília.
Um forte abraço.

Ademar Cruz