quarta-feira, 14 de abril de 2010

Cartas a ninguém (14.04 – 02:32h)

De dentro do som mentido, 14 de abril de 2010.

Ouvi o barulho da porta abrindo. Não era ninguém. Não era nada. Algumas boas lembranças partiram desse nada que veio. Estava frio. Aguardei mais outro sinal de ti. Silêncio. Já se passaram anos e mesmo assim continuo a ouvir coisas ou quem sabe são elas que me ouvem. Coisas acontecidas por ai, pelo esquecimento teu. Juro que tinha um vento partindo do lado de lá, na direção da saída (ou entrada?). Mas não fui ver o que era. Já bastava aquela tranqüilidade dentro da casa e a vizinhança vivendo seus sonhos noturnos enquanto eu procurava um cerrar de pálpebras esquecido que me coubesse.

Sabe? Algumas vezes mentir é bom, especialmente quando calha de encobrir um grande rombo na gente. Dá uma sensação de costura na pele, de que o sangramento parou. Mas não é nada de fato. E tudo por causa de um barulho que não existiu. A mentira eterniza uns raríssimos segundos de vazio repleto. E só. Tô morrendo mais um pouco. Como quando meu canário fugiu anos atrás. Sempre desconfiei que minha mãe teve piedade dele e lhe contou a verdade de suas asas. Ele aceitou. Como eu aceitei a verdade de tanta entrega. Como nós que esperamos nossas asas secretas cederem a um céu azul ou a um grande penhasco à beira mar.

Agora apenas serve de estada, esta rua transida de rotas fugidas, de caminhos mortos. Fico olhando pela janela e quando encontro o primeiro raio do dia já é quase noite dentro de mim. Me comporto como houvesse hemisférios respondendo aos astros em meus lamentos. E tudo é colossal e tectônico, com abalos e vulcões destrutivos. Escrevo isso enquanto espero que aquele pequeno som aconteça de novo. Urgindo que o rodar da chave na fechadura me conte que és novamente parte desse meu império solitário, cujo destino apenas depende de tua vontade e de tua maciez dominical.

Recordo dos teus me fazendo festa e não pergunto jamais se já esqueceram. A porta descansa. Como descansam essas páginas não enviadas e tristes. Esses timbres de passado e amor que me soam infra-sônicos, alucinantes, dissolventes. Escrevo esta mensagem a quem interessar possa ou espera como eu: uma porta abrir madrugada adentro; um vulto ganhando forma e recolhendo toda a luz ao redor e as três palavras aguardadas com a urgência de uma vida inteira; a demência de um par de horizontes se encontrando em meu peito. Amor este que me encurtaria o sono, mas me deixaria na profundidade de um universo muito novo, em cujo parto saberia à beleza cósmica, tua presença.

E mesmo que nenhuma porta nunca mais se abra. Mesmo que nenhuma chave permita meu destino entrar pelo mesmo corredor de tantas idas e vindas, meu coração fecha os olhos por um momento e não questiona a intenção permanente de pular em ritmos impensáveis, caso aconteça de me assaltares uma noite dessas, gerando o som inconfundível do pertencimento,, de chaves abrindo rumos, abrindo meu peito, dizendo que daqui de dentro, não sairás jamais.

Sinceramente,

J.Mattos

7 comentários:

Anônimo disse...

É mentir as vezes é bom mesmo,até para nos enganarmos que não amamos mais alguém, ou que nunca amamos, mesmo quando o coração sangra, quando o amor não se esconde.Amor que é amor e essa sensação louca de viver...Lindas tuas linhas.

Anônimo disse...

que bom que voltaste...

Anônimo disse...

Não tem como não voltar, tuas linhas são como o bom vinho, vicia, embriaga, alucina ...provoca...È demais ler teus teus.

Anônimo disse...

Asvezes mentir para nos enganar é a melhor maneira de esconder um amor, que talvez já tenha vivido, mais que nunca foi esquecido.

?

Anônimo disse...

...Será que nos enganamos?Mentimos mesmo para nós?Não sei.Não.O corpo fala, grita, pede, a presença do outro.Nosso cérebro esta pequena caixiha, que nos trás as lembranças à tona...e não só...os instintos.Pra que esquecer um amor?Ainda mais um daqueles secretos.É só deixar guardado em um lugar especial.Que tal o coração?




Bjs.

Anônimo disse...

"there's a long way between the sun of your smile and the warm of your kisses. There's a long way between my fate and my desire. And all of that belongs to you"

Colin Wrathsport, 1971.


P.S. Let the a new sunshine come my dear. h&kss.

Anônimo disse...

...maravilhosa esse citação em forma de comentário, em inglês, cheio de amor e doçura.Tocante!




Bjs,