terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Moradas

“Dentro da casa em que nasceste és tudo...”
Olavo Bilac

Minha carcaça é uma casa alugada cujo dentro exponho com as portas sempre abertas. Meu grito é uma tarde de sol duradouro em cujas linhas e borrões ecoam meus alicerces. Minha pena é a razão mais pura em cuja feitura condeno os afetos a trabalhos forçados. Meu riso é como a chama que ela acendeu num dia cinzento, vai e volta conforme ela utiliza o fósforo. Meu sono é uma barragem, uma contenção daquilo que restou de nós. E freqüento auroras nestes instantes, como sigo o cimo das cordilheiras no desamparo. Meu olho é órbita inaugurada em seus olhos. É uma forma perfeita para o corpo dela. Entra e sai dos abandonos como mocinhas em dia quermesse. Minha letra é algo doce quando a quero, algo estranha quando a tenho e algo mentido quando a odeio. Meu chão é minha última jornada. Para onde vou depois do fim. De pó e rimas, de embolias e perdões cansados. Vou para o início refazer meu evangelho e dizer novamente que desejo ser um homem. Espero voltar aos passos que me deram um dia. Às praças que escutaram minha entrega. Às vigas que sustentaram minha solidão. Espero ter um teto, um pouco de comida e o morno do abraço dela para estar convencido de que valeu à pena. J.M.N

3 comentários:

Anônimo disse...

Lágrima nos olhos. Texto lindo. Quase uma ferida aberta.

M.

Anônimo disse...

O texto é belissímo,parece que transmite um grito contido,um desespero último.


Sou fã do que escreves.




Hellem

Anônimo disse...

Maravilhoso o texto, abraços e até mais.....