sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Abstinência

No fundo, ao escrever, Toxic Girl do Kings of Convenience.
Deu nisso.

Nenhum resíduo em meu despertar, mas minha boca ainda tenta se acertar. Nenhum gosto está como antes. Nenhuma veia está intacta e por muitos meses eu senti o âmbar de sua desumanidade afetar a passagem dos meus nutrientes, como pedestres chocando-se nas ruas estreitas do centro de uma grande cidade. O contorcionismo exibido de suas partes a me tragar para dentro de suas rotas, horas depois me enjaulando ainda sedento, como um animal aturdido, encurralado. Meus brônquios se partiram. Meus feixes nervosos, bainhas de mielina e faculdades de somar e multiplicar diminuíram. Consideravelmente. Roto nos becos. Pedindo tragos dos alheios rostos. Abraços das senhoras felizes de cada praça por onde andei. Um farrapo de longe acometido pelas náuseas e impedido pelo muro altíssimo da verdade. E apesar de tantas feridas e jejuns, ela me trouxe ao caminho. Sem saber me tirou do limbo de mim mesmo. Arrastou-me com sua colossal disposição para tudo do terreno em que finquei meus alicerces. E me fez mudar radicalmente de atitude, desenvoltura adquirida para continuar vivendo. Nenhum exame acusa sua existência e meu sistema já quase se esquece de que lá esteve. É justo ai, nesta hora de reconhecida vitória sobre seus efeitos mais daninhos, que a encontro nos ornatos de minhas linhas, nos cantos de minhas páginas, refeita em pó e harmonia. Até quando a memória celular que me redime, venha cobrar a gestação de outra loucura. J.M.N

Para ler escutando, ou não (letra)...

3 comentários:

Anônimo disse...

Belíssimo texto!Adorei.

José Mattos disse...

Um comentário quase on-line. Isso é bem raro.

Valeu.

J.Mattos

Anônimo disse...

Não consegui ouvir a música :(...
Mas o texto é muito bonito.

Ju.