sábado, 13 de fevereiro de 2010

Jarro com lírios

Sei que a tua madrugada insone é dedicada aos teus anjos, por isso a tua presença arrasta um cheiro de asas doloridas. No entanto, aqui nessa epiderme desacostumada a afagos sutis, sinto a tua gratidão pelo bom dia, pela graça, pelo elogio. Agradeces silente num abraço breve e num sorriso de lado. Não és dada a gestos em excesso, mas tua presença ameniza o ambiente, como um jarro negro encerrando lírios recém colhidos. Teus passos têm endereço, sempre. Jamais vou te ver vagando, uma pena. Queria te encontrar sem destino por aí. Perguntar a tua pele sobre a alegria dos negros nas madrugadas da fazenda de meu bisavô. Perguntar sobre os meus santos protetores, sobre os meus atabaques, sobre quem fechou meu corpo para determinados prazeres, como a dança. Qualquer dia almoçamos novamente, e da janela vamos ver o mundo em chamas, viventes transitando por calçadas solitárias, reparadores tristes, namorados ardentes. Então brincaremos que somos amantes, marido e mulher, sócios num grande negócio, completos desconhecidos que sentaram na única mesa vaga de um restaurante lotado. A cada pessoa contaremos uma história diferente. Viveremos intensamente essas biografias inventadas, quem sabe assim apressamos o tempo, e nos tornamos parte da existência um do outro. WDC

3 comentários:

José Mattos disse...

Viveremos intensamente essas biografias inventadas, quem sabe assim apressamos o tempo, e nos tornamos parte da existência um do outro.

Meu irmão, essa sentença (literalmente!) é lindíssima. Somos, de fato, uns sequelados. Ainda bem!

Saudade,

J.Mattos

José Mattos disse...

Por onde andam aqueles que nos esquecem? Estão certos de que podem prescindir de tais abraços que agora envidam seus esforços a ferir-nos de morte inteira?
Onde estão os anjos de nossas biografias? Perdidos em castelos ou paços? Em desertos ou prais de sal e ventos debulhantes?
E onde estamos nós nesses possíveis entremeios? Pulsando estranhos nos braços de lírios ou fazendo noites como ciganos?

J.Mattos

Anônimo disse...

Irmãozinho, talvez não nos baste ser esquecidos ou lembrados num regaço distante. O pequeno vale que nossas cabeças deixaram em travesseiros graves ainda está, certeza. Por ora, ficamo-nos com a falta que fazemos um ao outro. Esta sim, impreenchível senão por nós mesmos.WDC