terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

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O que ainda tenho, no concreto desses encontros lancinantes e tão breves, que possa fazer as vezes de barro na construção de uma morada delirante no meio dessa cidade líquida? De pedras mesmo, quase nada. De sonhos e fracassos, um número próximo ao infinito. Não faz parte de meu arsenal sequer a memória dos elementos que compuseram o nascedouro dessa paixão. Talvez um vestido amarelo e a aterradora constatação que ela era a única mulher que ficaria linda dentro dele. Ou uma esquina que se contornou com o único intuito de se perder comigo. Uma madrugada velando uma insônia anunciada ao pé de uma cama coberta de ais. Não houve um beijo ou uma declaração de amor com uma promessa de volto logo e pra sempre. Não prosseguiu nem encerrou. Não pus dentro dela nem um filho nem uma bala. Mas eu tenho esse teclado, que vou espremer até que daqui saia um final, ou um significado. Ao fim e ao cabo, tudo dá no mesmo. As sucessivas fugas dos meus abraços e despedidas forjaram esse vazio íntimo do qual extraio essas linhas, não sem uma renovada dor juvenil. E com qual magia ela resumiu todo meu memorial de paixões impossíveis! Desde a moça de riso longo que me fez concluir o curso da primeira comunhão até a febre adolescente por aquela cujos olhos mudavam de cor ao longo do dia. Fora isso, o que ainda resta são os trocos da história: um livro por devolver, duas músicas pra mostrar, um poema do Quintana, uma rosa minúscula de papel dourado que levo pra todo canto e umas palavras engaioladas como passarinhos selvagens.

Um comentário:

José Mattos disse...

Sabe meu caro... são essas rosas minúsculas as que mais pesam no final.

J.Mattos