domingo, 8 de agosto de 2010

Um tiro dentro do espelho

Para todos os pais do mundo.

Eu fui ali reconhecido, fui deflagrado. Como um fogo que inicia estava claríssimo o fim daquilo. A chama ardente do último olho por olho. Eu tinha de matá-lo. Para o bem de todos, enfim. Para o dele por não saber-se superado. Para o meu próprio bem por nunca antes ter tido completa coragem para o ato. E tudo começou pelo passado. Pelas esquinas dobradas em tudo quanto cuspi no rosto da sorte entre meus anos. Não haveria fantasmas que importassem. A única face era a minha. Com todas as marcas, pronta e oferecida. Sem espelhos para guardar a culpa, meio a meio. Esquisito confinamento de nossos olhares. Uma ternura tensa de havermos nos atraído para as mesmas armadilhas. E tudo era amor e medo e fogo intenso. Como haverão de ser todas as despedidas, todos os destinos cumpridos a ferro quente. Nosso couro cheirava. Os olhares à mostra e finalmente o nascer das sílabas. Uma sobre a outra cavalgando a tempestade, cada qual destronando a anterior num ritmo jamais pensado. Como passos primeiríssimos nas terras conquistadas, fomos sendo. Vorazes conquistadores dos pesares, do ensinamento. Incompletos e antigos. A herança combinada de uma tribo que perdera o tato, o sentir tecido em cantos, glórias e mordomias. Barões de nada nós dois. O cansaço extinguiu a fome, deixou para trás a mentira. Trouxe violento, anos que já não cabiam e as memórias daquilo que ficou nos dormitórios do mundo, na folia de descobrir um filho por ai. Sentinelas dispensadas, as armas sem munição. Eu sabia que um dia tudo haveria de ser só perguntas e respostas, desconhecimento e tragédia, fome e paixão descomunais. Precisava partir, mas antes, matá-lo. E ele não esperava que a dor que descia de seus olhos, fosse também a minha. J.M.N.

2 comentários:

Anônimo disse...

Meu amigo,

Lembrei das insuperáveis conversas de fim de tarde nos idos de 91, quando nossos pais morriam tantas vezes em nossas bocas, mas estavam sempre presentes em nossos mais fortes sentimentos de vitória.

Lembrei de você declamando Poema Sujo para o Zecão Leal e o Cláudio Barros e fazendo a Ieda chorar de emoção.

Tudo vem à tona de novo. Sentimento de admiração renovado. Os anos passados são a base para tudo quanto aqui está registrado.

Um grande Abraço,

Arthur

Anônimo disse...

UM CHUTE NO ESTÔMAGO ESSE TEXTO...